Leia também: Pernambuco- Ministério Público instaura procedimentos relacionados ao Meio Ambiente em Arcoverde e Buíque
Retomando suas atividades após o recesso de Carnaval, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco julgará na próxima quinta-feira, em sua 2ª Câmara, duas Auditorias Especiais envolvendo o município de Buíque, no agreste do estado.
O primeiro julgamento é relacionado ao caso da aquisição de alimentos para merenda escolar, locação de veículos para transporte escolar e aluguel de imóveis entre os anos de 2021 e 2023, que teria causado um dano ao erário de mais de R$ 900 mil. São apontados como responsáveis pelas supostas irregularidades apontadas na Auditoria:
- o ex-prefeito Arquimedes Valença;
- a ex-secretária municipal de Educação, Marilan Belisário;
- a filha de Arquimedes, Teófila Valença, que foi secretária municipal de Assistência Social e depois de Saúde (e hoje ocupa a pasta do Planejamento na gestão de Túlio Monteiro);
- o ex-secretário municipal de Assistência Social, Matheus Albuquerque;
- os funcionários Luiz Francisco da Silva Junior e Anderson Felipe Rodrigues Batista, do Controle Interno;
- a empresa Realbus Locação de Veículos Eireli, apontada como prestadora de serviços de locação de veículos à Prefeitura de Buíque no período analisado;
- e Renata Maria Alves de Siqueira, apontada como representante legal da empresa Grupo Informal- Delícias do Campo, contratada para fornecer alimentos à merenda escolar municipal.
O julgamento deveria ter sido realizado em outubro do ano passado, mas o Conselheiro Dirceu Rodolfo de Melo Junior pediu vista no processo e ele precisou ser adiado. A relatoria é do Conselheiro Marcos Loreto.
Também na 2ª Câmara do TCE, há uma Auditoria Especial envolvendo especificamente a Secretaria de Saúde de Buíque. Segundo o Relatório de Auditoria que baseia este processo, entre os anos de 2023 e 2024, pelo menos seis irregularidades foram constatadas na fiscalização feita pelos auditores do TCE, como:
- Aquisições de medicamentos com prazos de validade em desacordo com o Ministério da Saúde
Uma norma do Ministério da Saúde obriga que os medicamentos adquiridos pela rede municipal de saúde para suas farmácias tenham um prazo de validade de, no mínimo, doze meses contados a partir da data de entrega do produto.
No entanto, os auditores constataram que Buíque descumpriu esta norma. Diz parte do Relatório:
"Da análise das notas fiscais (Doc. 06), constatou-se que vários medicamentos e/ou insumos médico-hospitalares, fornecidos pela empresa Thiago G. Distribuidora de Medicamentos e Logística Ltda. (CNPJ nº 44.037.882/0001-35), possuíam prazo de validade inferior a doze meses. Portanto, observou-se a entrada de medicamentos em desacordo com tais instrumentos legais. A seguir, algumas das imagens que revelam diversos casos em que não se respeitou o prazo de validade mínimo para o fornecimento de medicamentos à municipalidade. É possível observar casos em que os prazos são demasiadamente curtos".
Em uma das notas fiscais anexadas nos autos (que podem ser consultados por qualquer cidadão), é possível constatar na parte grifada que um destes medicamentos adquiridos venceria em janeiro de 2024. A nota fiscal é de agosto de 2023, portanto, cinco meses antes do vencimento do remédio.
Somente com a empresa Thiago G. Distribuidora de Medicamentos e Logística Ltda., a Secretaria de Saúde de Buíque gastou, em 2023, mais de R$ 3 milhões em aquisições de medicamentos, materiais médico-hospitalares e odontológicos.
A consequência mais evidente para o não cumprimento dos tais prazos de validade exigidos pelo Ministério da Saúde na aquisição dos medicamentos foi a presença de medicamentos vencidos no estoque da Farmácia Central, como constatado neste caso pelos auditores do TCE em março do ano passado na imagem abaixo, que também está no Relatório de Auditoria.
"É inquestionável que tal conduta pode levar a sérias consequências, desde perdas de medicamentos, causando prejuízos à Administração Pública, ou, ainda pior, sua dispensação após o vencimento, possibilitando acarretar danos ao paciente, seja por intoxicação pelo produto vencido, seja pela não eficácia de sua substância química. A situação acima descrita evidencia a negligência e a omissão da gestão municipal de Buíque, pelo descontrole com a coisa pública. Não há justificativas para a não implantação, manutenção e o devido acompanhamento de controles de estoque, considerando que o sistema Hórus está em pleno funcionamento. Diante das irregularidades relatadas, entendem-se irregulares os recebimentos de medicamentos com datas de validade inferiores ao que determina o Ministério da Saúde e o próprio edital do certame. Cabe destacar que a regulamentação e os controles visam a assegurar o direito constitucional à Saúde. O descumprimento de qualquer um desses deve ensejar a responsabilização da gestão municipal e da empresa fornecedora. Ante o exposto, considerando que a falta de controle sobre os medicamentos e/ou materiais médico-hospitalares impossibilita a verificação, pelos órgãos de controle interno e externo, da eficácia, eficiência e finalidade pública das despesas e, ainda, pode ocasionar desperdícios, desvios e fraudes, possibilitando prejuízos ao erário municipal", aponta o Relatório de Auditoria, que pede a responsabilização de Teófila Valença, então titular da pasta da Saúde e filha do então prefeito Arquimedes Valença, por ter agido com negligência neste caso. A farmacêutica Ísis Cavalcante Amaral de Siqueira, que trabalhava na Farmácia Central, também foi apontada como responsável por cadastrar tais medicamentos no sistema, mesmo com prazo de validade tão curto. O Coordenador de Controle Interno do município, Luiz Francisco da Silva Junior, também foi apontado como responsável por não desenvolver nenhuma ação de controle sobre os medicamentos adquiridos para a rede municipal de Saúde.
- Ausência de controle de estoques de medicamentos e/ou materiais médico-hospitalares
Foram constatadas algumas deficiências no controle geral destes estoques durante inspeção feita em março do ano passado.
Para efeito explicativo, a Farmácia Central de Buíque é para onde vão todos os insumos adquiridos pela Secretaria de Saúde antes de serem distribuídos para o Hospital Municipal e demais Unidades Básicas de Saúde (UBS). Cidadãos buiquenses com prescrição médica também podem pegar seus remédios diretamente nesta Farmácia.
Quanto foi feita a comparação do saldo físico dos medicamentos que estavam disponíveis no estoque com o saldo informatizado que se apresentava no Sistema Nacional de Gestão da Assistência Farmacêutica (HÓRUS), observaram discrepâncias sobre a quantidade de diversos medicamentos.
Para a auditoria, foram escolhidos 20 tipos de medicamentos psicotrópicos, popularmente conhecidos como "controlados". Destes 20 em estoque na Farmácia Central de Buíque, 18 apresentavam discrepâncias entre o saldo apresentado no Sistema Hórus e o que realmente estava fisicamente na farmácia, como pode ser visto na tabela abaixo.
O escitalopram 10 mg, utilizado no tratamento do transtorno de ansiedade social, foi o que apresentou maior discrepância na relação estoque físico/ estoque sistema: 1.760 comprimidos a menos.
- Irregularidades na realização de certame licitatório com aquisições de medicamentos
Aqui, os auditores analisaram sete procedimentos licitatórios firmados entre a Secretaria de Saúde de Buíque e a empresa Thiago G. Distribuidora de Medicamentos e Logística Ltda. no ano de 2023, totalizando mais de R$ 3,1 milhões.
Em um dos sete processos licitatórios firmados com esta empresa, que foi a maior fornecedora de medicamentos do município no ano citado, foi constatado que o chamado Termo de Referência deste processo não possuía "as mínimas informações necessárias e obrigatórias para identificação do profissional responsável, tais como: carimbo de identificação do servidor, contendo o nome, matrícula, função e sua assinatura". O profissional responsável aqui seria o farmacêutico que, por força de resolução do Conselho Federal de Farmácia, deve participar de licitações que envolvam aquisições de medicamentos. Diz ainda o Relatório:
"Sendo assim, conclui-se que não houve, por parte da gestão municipal, quando da elaboração dos procedimentos licitatórios com aquisições de medicamentos, atribuição a um farmacêutico, da responsabilidade pela supervisão técnica na elaboração do termo de referência, fazendo constar neste último, como comprovação, o seu nome acompanhado pelo respectivo número de registro no Conselho Regional de Farmácia (CRF)".
Por esta irregularidade, foi pedida a aplicação de multa a Luiz Francisco da Silva Junior, funcionário do Controle Interno do município.
- Descumprimento da obrigação de alimentar o Banco de Preços em Saúde
Estados e municípios têm, por obrigação, que fornecer informações à alimentação do chamado Banco de Preços em Saúde (BPS), que serve para juntar todas as informações referentes à aquisição de medicamentos para conhecimento dos preços aplicados em todo o país. O município de Buíque, pelo que foi constatado pela Auditoria, não o fez em 2023. Quando questionado sobre o porquê do descumprimento, o Coordenador de Controle Interno, Luiz Francisco da Silva Junior, deu a seguinte declaração:
A omissão foi apontada como irregularidade passível de multa.
- Ausência de medicamentos na Farmácia Central de Buíque
Na mesma visita à Farmácia Central de Buíque, em março do ano passado, os auditores constataram que pelo menos doze medicamentos, considerados essenciais, estavam em falta no estoque (imagem abaixo).
- Desobediência ao Princípio da Segregação de Funções nas fases de liquidação e pagamento das despesas com medicamentos
Foi solicitada a relação de todas as despesas liquidadas com as aquisições de medicamentos e empenhos com toda a documentação comprobatória, emitidos pela Secretaria de Saúde de Buíque em favor da empresa Thiago G. Distribuidora de Medicamentos e Logística Ltda., para análise dos auditores. De cara, foi constatada a violação do chamado Princípio da Segregação de Funções, quando viram que a então secretária de Saúde, Teófila Valença, era a pessoa que atestava o recebimento da mercadoria, realizava a liquidação e autorizava o pagamento.
"Entende-se que a atuação concomitante das atribuições correspondentes às mencionadas funções ocasionou infração ao Princípio da Segregação de Funções, colocando em risco os interesses da Unidade Jurisdicionada, por não estabelecer a independência entre as respectivas funções, tendo em vista que se mostra inadmissível que uma mesma pessoa controle dois ou mais estágios de um evento/operação, no caso, os processos de execução das despesas públicas", diz o Relatório de Auditoria ao apresentar as imagens abaixo que comprovariam tal irregularidade.