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Um processo de Auditoria Especial, em análise desde março deste ano no Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, apura supostas irregularidades cometidas pela Prefeitura de Buíque, chefiada por Arquimedes Valença, relacionadas às contribuições previdenciárias e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público- PASEP entre os meses de janeiro e dezembro de 2017 que podem ter causado um dano ao erário de R$ 3.667.217,23 (três milhões, seiscentos e sessenta e sete mil, duzentos e dezessete reais e vinte e três centavos). Este valor já leva em consideração os juros e correções monetárias efetuados de 2020 para cá. O processo foi aberto após a Secretaria da Receita Federal do Brasil, vinculada ao Ministério da Fazenda, enviar ao TCE uma Representação para Fins de Apuração de Responsabilidade e Improbidade Administrativa relacionada a dois procedimentos administrativos abertos contra o gestor do município do agreste pernambucano, que voltou ao cargo de Prefeito no ano em questão e que o deixará no dia 31 de dezembro. O Conselheiro Carlos Neves será o relator e ainda não há previsão de quando este processo será julgado.
A REPRESENTAÇÃO QUE DEU ORIGEM AO PROCESSO
A Delegacia da Receita Federal no Recife abriu os processos administrativos contra a Prefeitura de Buíque em 2020, e comunicou o feito à Secretaria da Receita Federal, situada em Brasília. Segundo o documento, ao qual obtivemos acesso por meio do próprio portal de Consulta de Processos do TCE (basta digitar o número 22100092-6 na barra de pesquisa), entre os meses de janeiro e dezembro de 2017, o município reduziu "as contribuições sociais declaradas com a não informação em GFIP (Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social) de remunerações pagas, devidas ou creditadas à parte dos segurados empregados", incluindo aquelas referentes ao 13º salário dos segurados municipais e dos contribuintes individuais. Foram apontadas ainda contribuições a cargo dos segurados empregados por aferição indireta, e que também não foram declaradas ao GFIP neste período. Um Auto de Infração foi lavrado em outubro de 2020, multando o município em mais de R$ 5 milhões.
Já quanto às contribuições do PASEP, a Receita entendeu que a Prefeitura de Buíque omitiu parte destas contribuições. Além disso, houve ainda a falta de recolhimento destas contribuições em época própria. Outro Auto de Infração foi lavrado pela Receita Federal, também em outubro de 2020, multando o município desta vez em mais de R$ 1,1 milhão.
O descumprimento da legislação tributária, especialmente nas contribuições consideradas obrigatórias (como as previdenciárias), pode caracterizar uma violação grave da Lei de Responsabilidade Fiscal e até o cometimento de crime de improbidade administrativa, como foi defendido neste trecho da representação da Receita Federal:
"O procedimento correto em relação ao pagamento dos tributos aludidos configura obrigação legal e a transgressão das normas vigentes que importarem em multas moratórias e de ofício implicam necessariamente em obrigações extras à administração pública decorrentes de omissão que, em tese, configuram também transgressão à Lei de Responsabilidade Fiscal. Deve-se ainda considerar que estas obrigações extras importam necessariamente em prejuízo ao erário, vez que não eram devidas inicialmente, sendo tal situação tratada na Lei Nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa)".
São citados na representação os artigos 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Em 2021, o então Presidente Jair Bolsonaro sancionou alterações nesta lei, em especial nestes dois artigos, que só enquadram o gestor público como culpado de cometer tal crime quando houver dolo comprovado, o que em tese o beneficia e o livra da acusação.
A representação que, devemos lembrar, foi feita em outubro de 2020 aponta que, somente de multas e juros atualizados até aquele período, a Prefeitura de Buíque ficou devendo à Receita Federal o montante de R$ 3.619.133,27 (três milhões, seiscentos e dezenove reais, cento e trinta e três reais e vinte e sete centavos): um agravamento pecuniário que teria se dado por ação do Prefeito Arquimedes Valença.
O RELATÓRIO DE AUDITORIA DO TCE
No Relatório de Auditoria produzido pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, foi explicado brevemente os procedimentos de fiscalização adotados pela Receita Federal, além das defesas apresentadas pelo Prefeito de Buíque nos dois processos administrativos fiscais citados, bem como suas atuais tramitações.
No caso das contribuições previdenciárias, Arquimedes Valença pediu, dentre outras coisas, a nulidade dos autos de infração e contestou a metodologia utilizada pela auditoria fiscal para o lançamento dos tributos. No entanto, "evidenciou-se que não houve contestação objetiva dos procedimentos adotados pela RFB e que, em função deles foram constituídos créditos tributários de ofício num valor superior a 5 milhões de reais, relativos ao exercício de 2017, tendo como origem a ausência de prestação de informações das remuneração pagas ou creditadas aos segurados obrigatórios do RGPS (servidores e contribuintes individuais)".
Em relação às irregularidades apontadas nas contribuições do PASEP, o prefeito de Buíque havia entrado com uma impugnação em julho do ano passado, alegando, "resumidamente, que as receitas decorrentes das transferências intergovernamentais relativas ao FUNDEB, FNDE, FMS e FNAS, não comporiam a sua base de cálculo". Tal alegação foi rejeitada e o caso foi levado ao CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), onde, até o momento em que o Relatório de Auditoria estava sendo feito, estava pendente de julgamento.
A Auditoria do TCE ainda apontou os seguintes achados relacionados ao Município de Buíque neste caso:
- Aplicação de penalidade pelo não atendimento, pelo gestor, de informações requeridas no curso da ação fiscalizatória da Receita Federal;
- Incidência de penalidade sobre os créditos tributários constituídos de ofício pela Receita, em razão da omissão do gestor público em apresentar as informações relativas às bases de cálculos das contribuições previdenciárias devidas ao Regime Geral de Previdência Social; e
- Incidência de encargos moratórios sobre créditos tributários constituídos em ação de fiscalização realizada pela Receita, em razão da exclusão indevida, pelo gestor público, de receitas que integram a base de cálculo das contribuições sociais do PASEP.
Segundo o Relatório de Auditoria deste processo, as situações apresentadas se enquadram nas hipóteses necessárias à responsabilização de Arquimedes Valença, ao menos, como erro grosseiro:
"Atente-se que não se tratou de uma situação esporádica que levou a autuação do município pela RFB (Receita Federal do Brasil), e sim um conjunto omissivo de atos, praticados mensalmente, durante todo o exercício fiscalizado, tendo como resultado a redução do montante dos créditos tributários devidos. Em relação à contribuição do PASEP, fica claro que a gestão tinha plena consciência que os atos praticados não encontravam guarida na legislação pátria e mesmo após a sua prática, insistiu em tese interpretativa já superada nos julgamentos no âmbito administrativo e judicial. Ou seja, tratou-se de ato deliberado com a finalidade de diminuir o quantum a recolher das contribuições sociais ao PASEP. No tocante às irregularidades relativas às contribuições previdenciárias, restou clara a desídia da Administração em fornecer os dados sobre as bases de cálculos utilizadas pelas unidades orçamentárias para o recolhimento regular dos tributos. Com isso, não restou outra alternativa a fiscalização a não ser o arbitramento das contribuições que achava devida, causando com isso dano ao erário municipal".
"(...) não se trata de responsabilizar simplesmente o gestor que resolveu a pendência junto à Secretaria da Receita Federal, pagando ou parcelando os valores pendentes de recolhimento, mas sim identificar quem tinha o dever de recolhê-los no prazo previsto legalmente e não o fez. É importante mencionar que, nas situações de parcelamento de débitos, os valores a serem imputados ao gestor que deu causa ao dano devem corresponder ao montante dos encargos consolidados no momento da pactuação junto à RFB ou à PGFN, levantando-se a quais competências se referiam os débitos inclusos nos mencionados parcelamentos".
"(...) No presente relatório, os valores relativos aos créditos tributários constituídos de ofício, na fiscalização da RFB, já identificava as competências a quais se referiam e, esta equipe de auditoria fez a devida vinculação ao gestor que estava à frente da gestão no momento do vencimento dos tributos".
"(...) informa-se que, no caso em análise, não restam dúvidas quanto ao agente público responsável pelas ações que resultaram na aplicação de vultosas penalidades ao município (...) Assim, impõe-se o dever de restituir ao erário o montante de R$ 3.667.217,23, relativo ao valor dos encargos moratórios, bem como a multa por descumprimento de obrigação acessórias, pelo gestor que atuou como ordenador de despesas, no período abrangido pela fiscalização da RFB. (...) Não se pode ignorar que, mesmo não pretendendo alcançar o resultado quanto ao dano ao erário, evidenciado neste relatório, o agente envolvido tinham pleno conhecimento das consequências advindas da sonegação das informações necessárias à constituição dos créditos tributários, constituindo, portanto, as hipóteses legais necessárias para os atos omissivos serem considerados, no mínimo, como erro grosseiro".
Além da imputação de débito milionária ao Prefeito de Buíque, o Relatório de Auditoria do TCE ainda defende que Arquimedes Valença receba uma nova multa e recomendou que o município passe a :
- Organizar, adequadamente, as atividades do controle interno do município, no sentido de averiguar, sistematicamente, se os valores pagos ou creditados aos segurados obrigatórios do RGPS estão sendo declarados e recolhidos, nos termos da legislação previdenciária; e
- Organizar, adequadamente, as atividades do controle interno do município, no sentido de averiguar, sistematicamente, se os valores devidos a título de PASEP estão sendo declarados e recolhidos, atendendo ao disposto na legislação correlata.
A DEFESA DO PREFEITO DE BUÍQUE
Em defesa prévia enviada ao TCE, o advogado do prefeito Arquimedes Valença considera que "não há motivos que justifiquem a irregularidade da presente auditoria especial, muito menos a constatação de dano ao erário, que respalde a imputação do débito em desfavor do Defendente". Para o Dr. Eduardo Henrique Teixeira Neves, existe um prazo delimitado para a prescrição nos casos que envolvem pretenso ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas, que é de 5 anos, e que no caso em questão, ele já teria passado.
Segundo um entendimento do Supremo Tribunal Federal, com relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o prazo de prescrição de um processo administrativo como esse é, de fato, de cinco anos, contados entre a execução da fase interna (apuração do chamado órgão repassador) e a fase externa (aí sim, com a devida apuração do Tribunal de Contas). Neste processo, ocorre a chamada Tomada de Contas Especial, o encaminhamento do processo ao Tribunal de Contas e a citação (notificação) do gestor. No caso de Arquimedes, seu advogado leva em conta o exercício financeiro de 2017 (e não 2020, ano de abertura dos procedimentos na Receita Federal) como o ano inicial desta apuração: o que daria sete anos e que, em tese, motivaria a prescrição.
Também foi questionada a provável dupla imputação de penalidade ao gestor buiquense, uma vez que um dos processos administrativos abertos pela Receita Federal ainda está em tramitação no CARF, enquanto há também em tramitação o processo de Auditoria Especial no TCE (lembrando que foi a própria Receita quem enviou a representação ao TCE para abertura desta auditoria):
"Ora, se os mesmos fatos já estão sendo apreciados pela RFB, repita-se, a autoridade administrativa com competência para tanto, não há que se falar em dupla averiguação de modo simultâneo e colateral, também na esfera administrativa, por esta Corte, no intuito de aplicar sanções de idêntica natureza. É notório que a autuação deste feito consubstancia bis in idem, em decorrência da potencial dupla imputação de penalidade pelos mesmos fundamentos fáticos e jurídicos, o que, sabidamente, é VEDADO pelo ordenamento jurídico.
(...) Ora, se a apuração não foi concluída perante a RFB, é plenamente possível que as conclusões tomadas pelos auditores fiscais seja reformada, a partir das impugnações apresentadas pelo Município ou em grau de recurso. Logo, não faz sentido que haja a apreciação paralela dos EXATOS MESMOS FATOS nessa seara, junto ao Tribunal de Contas Estadual, sob pena, inclusive, de ser exarada uma decisão pelo TCE imputando débito contra o Defendente e posteriormente ser reconhecido, pela Receita, que não deve haver a imputação".
Quanto às irregularidades apontadas, em seu mérito, o advogado de Arquimedes Valença disse que elas foram cometidas sem dolo, tratando-se meramente de irregularidades administrativas. Ainda disse que é impossível impor ao prefeito buiquense a devolução ao erário federal dos valores citados no Relatório de Auditoria, que passam dos R$ 3 milhões:
"Os possíveis erros observados pela Receita Federal nos procedimentos administrativos consistiram em meros equívocos de cálculo, uma irregularidade administrativa que não caracteriza dolo ou erro grosseiro pelo então gestor municipal, ao passo que ele sequer era responsável pelas atribuições técnicas de contabilidade no Município. Não há, em nenhum dos documentos apontados, quaisquer indícios que denotem a presença do elemento subjetivo necessário à imposição de penalidade por essa Corte, seja ela qual for, sobretudo porquanto sequer há, efetivamente, a comprovação de que houve dano aos cofres públicos em decorrência das possíveis inconsistências nas declarações realizadas à RFB, que mencionem-se, ainda estão sendo analisadas pelo órgão federal".
Em 2017, Arquimedes Valença reassumiu a Prefeitura de Buíque após os dois mandatos de Jonas Camelo Neto: fato que também foi explorado por seu advogado para pedir a razoabilidade e proporcionalidade quanto à análise do referido processo de Auditoria Especial, afastando a aplicação de multa ao Prefeito e não imputando o débito milionário a seu cliente.
"Desse modo, o Defendente pleiteia pelo julgamento regular da presente Auditoria Especial, não havendo o que se falar em devolução ao erário, já que não demonstrado a sua responsabilidade pela existência de um suposto dano, tendo em vista que as inconsistências observadas pela Receita Federal do Brasil consistiram em meros erros de cálculo, impassíveis de justificar a irregularidade do objeto do feito ou a imputação de qualquer penalidade em desfavor do Sr. Arquimedes Guedes Valença, ainda mais, em seu primeiro ano de gestão".