BUÍQUE: AS DUAS NOVAS DERROTAS DO PREFEITO NO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

Auto de Infração e Medida Cautelar homologados pela Segunda Câmara do órgão, em desfavor de Arquimedes Valença, trazem à tona outros problemas da sua gestão que se encerrará em pouco mais de um mês (Foto: Marília Auto/ TCE-PE)

Leia também: Opinião- A Primeira Anta da República e Agência Einstein- Pedalar ajuda a evitar e combater artrose nos joelhos, aponta estudo


O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, por meio de sua Segunda Câmara, homologou um Auto de Infração e uma Medida Cautelar (em parte) em desfavor de Arquimedes Valença, atual Prefeito de Buíque que deixará o cargo em 31 de dezembro. O Auto se refere a 39 indícios de irregularidades apontadas pelos auditores de controle externo do TCE que não foram esclarecidas pelo gestor municipal; enquanto a Medida Cautelar envolve um suposto sobrepreço no contrato firmado entre a Prefeitura de Buíque e a empresa Editora Camano Sá LTDA, para a aquisição de livros e kits de saúde bucal aos alunos da rede municipal de ensino.

A votação da homologação do Auto de Infração ocorreu em 07 de novembro, enquanto que o da Medida Cautelar ocorreu em 31 de outubro. Ambos tiveram como relator o Conselheiro Marcos Loreto.


- AUTO DE INFRAÇÃO

O Auto de Infração foi lavrado contra Arquimedes Valença em setembro deste ano, por "descumprimento ao previsto no artigo 3º, caput, da Resolução TC nº 174/2022, em razão de sonegação de processo, documento ou informação, pelo não envio de esclarecimentos de 39 (trinta e nove) indícios de irregularidades pendentes de resposta por prazo superior a 60 dias, no Sistema de Gerenciamento de Indícios (SGI), referentes aos indícios dos tipos: acumulação de cargos, aposentadoria compulsória, falecidos e inativos/pensionistas na folha de ativos, passível de responsabilização com aplicação de multa a ser arbitrada nos termos previstos no caput e no inciso X do artigo 73 da Lei Estadual nº 12.600/2004 e alterações posteriores".

O Prefeito apresentou defesa, dizendo que todas as pendências que justificariam a expedição do Auto de Infração haviam sido zeradas ou corrigidas, e que por isso, não deveria ser multado:
"Embora os indícios constantes do SGI tenham sido corrigidos fora do prazo estabelecido pelo TCE/PE, o foram antes do julgamento do presente auto de infração. Por este motivo, ao teor dos julgados acima, o presente processo não deve ser homologado, afastando-se qualquer imposição de multa em desfavor do Defendente".

O SGI é sigla para Sistema de Gerenciamento de Indícios e foi instituído pelo TCE em agosto de 2022. A partir do ano seguinte, todas as Unidades Jurisdicionadas (ou municípios) foram obrigadas a fornecer neste sistema as seguintes informações, relativas à:
- Acumulação irregular de cargos/empregos/funções públicos; 
- Servidor ativo acima de 75 anos figurando na folha de pagamento; 
- Servidor falecido recebendo remuneração; 
- Servidor inativo ou pensionista na folha de pagamento dos servidores ativos; 
- Verificação de cumprimento de piso de professor da educação básica; 
- Verificação de cumprimento de piso de ACE/ACS; e 
- Verificação de cumprimento do salário mínimo. 

O Conselheiro Marcos Loreto discordou dos argumentos do Prefeito Arquimedes Valença, e pontou:
"No caso da Prefeitura de Buíque, verifiquei por meios dos sistemas informatizados desta Casa que, na rodada de 2022, foram enviados para esclarecimentos daquela UJ 23 indícios apurados pelo SGI, sendo certo que, encerrado o prazo de 60 dias, qualquer deles foi esclarecido. Na rodada a que se referem os presentes autos (2023), foram enviados em 18/09/2023 à UJ em epígrafe 28 indícios (parte podendo ser reincidência da rodada anterior), não tendo a prefeitura esclarecido qualquer deles no prazo regulamentar (até 18/11/2023). Quando da publicação da notificação do dia 09/08/2024 (quase 9 meses após encerrado o prazo de atendimento estabelecido no art. 3º da Resolução anteriormente referida), havia 47 indícios a serem respondidos pela Prefeitura de Buíque (decorrentes das duas rodadas realizadas), tendo este TCE concedido mais 30 dias para o cumprimento em tela, reitere-se. Todavia, o órgão executivo municipal esclareceu 8 deles, deixando pendente de resposta outros 39, o que ensejou a lavratura do Auto de Infração em 18/09/2024 (exatamente há 1 ano do envio pelo SGI dos indícios referentes à segunda rodada e há mais de 2 anos do envio dos indícios da primeira rodada), documento esse que deu azo à formalização deste Processo. As alegações defensórias não socorrem ao Sr. Arquimedes Guedes Valença".

O Conselheiro entendeu que Arquimedes cometeu um erro grosseiro, pois ele tinha plena ciência do seu dever de observar o normativo que instituiu o SGI, tendo sido notificado e renotificado, mas agindo para sanar a desconformidade próximo do prazo final por pura negligência. Pelo atraso injustificado no encaminhamento das informações solicitadas pelo TCE, o Auto de Infração contra o prefeito Arquimedes Valença foi homologado por unanimidade, resultando numa multa para ele de R$ 10.495,93 (dez mil, quatrocentos e noventa e cinco reais e noventa e três centavos).

- MEDIDA CAUTELAR

O Ministério Público de Contas havia entrado com um pedido de Medida Cautelar para suspender os efeitos de um contrato firmado entre a Prefeitura de Buíque e a empresa Editora Camano Sá LTDA, para a aquisição de mais de 16 mil livros e kits de saúde bucal para os alunos da rede municipal de ensino. A compra, feita por meio de Inexigibilidade de Licitação, foi avaliada em mais de R$ 2,6 milhões e o MP de Contas apontou que existiam indícios de sobrepreço por unidade (livro e kit de saúde bucal), em relação a contratos similares realizados por outros municípios, como Tamandaré (Pernambuco) e São José da Lagoa Tapada (Paraíba). Enquanto estes chegaram a pagar entre R$ 110 e no máximo R$ 132 por unidade, a Prefeitura de Buíque (com o aval de Teófila Valença, filha de Arquimedes e secretária municipal de Saúde) resolveu pagar R$ 160 por unidade. O nome de Teófila é citado na deliberação do Conselheiro Marcos Loreto.
A defesa de Arquimedes Valença reforçou que o processo de inexigibilidade de licitação neste caso seguiu todas as exigências legais, e que o kit de escovação adquirido pela Prefeitura de Buíque se distinguia dos adquiridos pelos municípios citados por terem melhor qualidade, justificando assim o fato de serem mais caros:
"Aqui, é importante destacar que o MPCO não comprovou que os kits de escovação das contratações comparadas eram exatamente os mesmos adquiridos pela Prefeitura de Buíque. E, corroborando para com os argumentos apresentados, tem-se que o Contrato com o Município de Buíque data de 13/09/2024 – DOC. 05 e as contratações de Tamandaré e São José da Lagoa Tapada foram anteriores, ocorridas em 26/07/2024 e 16/08/2024, respetivamente, conforme documentos 18 e 21 dos autos. Desse modo, possuindo os kits de escovação materiais distintos, a comparação efetuada pelo MPCO, para fins de identificar sobrepreço, não é válida. Neste caso, não se poderia falar em dano ao erário que pudesse justificar a concessão de medida cautelar, para suspensão dos pagamentos decorrentes do Contrato 377/2024".

No site da própria Editora Camano Sá, conforme conta nos autos e na imagem abaixo, o tal livro mais kit com escova, fio, creme dental e estojo estava sendo comercializado a R$ 79,90.

Em seu voto, o Conselheiro Marcos Loreto defendeu que a Medida Cautelar fosse parcialmente aceita, para tão somente impedir os pagamentos considerados acima do valor de mercado nos kits: tais valores chegam a R$ 814,8 mil. O cálculo foi feito baseado na diferença de preços por kit pagos por Buíque e Tamandaré (ou seja, R$ 160- R$ 110), multiplicado pelo total de kits adquiridos pelo município do agreste pernambucano (16.296). Eis o que diz parte de seu voto:

"Concordamos com o abalizado opinativo da procuradora do MPCO quanto aos fortes indícios de superfaturamento devido a outros entes municipais, a exemplo da Prefeitura de Tamandaré, haver celebrado, há poucos meses, contratação idêntica (objeto e fornecedor) por um valor unitário por kit muito inferior (R$ 110,00) ao contratado pela Prefeitura de Buíque (R$ 160,00). A diferença de R$ 50,00 no quantitativo adquirido de 16.296 kits resulta na glosa de quantia significativa, totalizando R$ 814.800,00 (oitocentos e quatorze mil e oitocentos reais), razão pela qual somos pelo entendimento da expedição de cautelar para suspensão parcial dos pagamentos (...)
Nas razões defensivas, não se comprova com documentos, especificações, fotografias, ou até amostras do kit de saúde bucal que se tratam de produtos diferentes, apenas alega-se genericamente, anexando declaração da própria empresa contratada que a escova, pasta e fio dental possui melhor qualidade do que o entregue pela mesma empresa em favor da Prefeitura de Tamandaré, e outros entes públicos (...)
Por outro lado, não nos parece razoável e proporcional a interrupção completa da execução contratual, a partir da suspensão total dos pagamentos, sendo suficiente a suspensão parcial por meio da retenção do valor de R$ 814.800,00 (oitocentos e quatorze mil e oitocentos reais) em relação ao valor global contratual de R$ 2.607.360,00 (R$ 2,6 milhões de reais). (...) 
O fumus boni iuris resta caracterizado devido às irregularidades sobre os fortes indícios de sobrepreço. O periculum in mora resta configurado devido à formalização contratual em 13/09/2024 entre a Prefeitura de Buíque/Fundo Municipal de Saúde e a Editora Camano Sá LTDA. (CNPJ 37.311.219/0001-11) e consequente fornecimento iminente dos kits, ensejando direito ao recebimento por parte da contratada, sendo verdade que a inércia desta Corte na tomada de alguma deliberação poderá causar prejuízo aos cofres públicos, bem como tornar ineficaz a ulterior decisão de mérito. Inexiste periculum in mora reverso visto que não se pretende deliberar pela anulação do processo de inexigibilidade e/ou do termo contratual, mas tão somente limitar os pagamentos tomando-se por parâmetro o custo unitário diverso (R$ 110,00), resultando em retenção ou suspensão parcial de pagamentos do valor total de R$ 814.800,00 (oitocentos e quatorze mil e oitocentos reais)".

A decisão monocrática do Conselheiro Marcos Loreto que havia acolhido parcialmente o pedido de Medida Cautelar em cima desse contrato foi homologada, por unanimidade, pela Segunda Câmara do TCE.

Tanto aqui, quanto no Auto de Infração, ainda cabe recurso ao Pleno do TCE.
William Lourenço

Postagem Anterior Próxima Postagem