OPINIÃO: ESPECIAL BUÍQUE 170 ANOS

 

Município do agreste pernambucano faz aniversário de emancipação política amanhã, e o Podcast Cafezinho resolve trazer em seu site uma Coluna de Opinião mais do que especial, onde será contada um pouco da sua história, daquilo que custa a mudar desde 1854 e até do que se esperar pros próximos 170 anos (Foto de lil artsy para Pexels) 

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AVISO AOS LEITORES: ao contrário das nossas reportagens, as Colunas de Opinião trazem, como o próprio nome já diz, a opinião de quem as escreve, baseado em fatos já confirmados.


Por William Lourenço


Amanhã, dia 12 de maio, o município de Buíque, no agreste de Pernambuco, completa 170 anos de emancipação política. Quem mora aqui ou acompanha as notícias deste município há muito tempo vê esse fato e se pergunta: como foi que ele chegou tão longe?

Desde 12 de maio de 1854, data em que passou a ser considerado uma vila e se desmembrou de Garanhuns, e desde 26 de maio de 1904, quando a vila foi de fato promovida a município de Pernambuco, Buíque mais perdeu do que ganhou coisas: perdeu boa parte de seu território para que outros municípios surgissem (como Águas Belas, Pedra, Tupanatinga e parte dos municípios de Inajá e Arcoverde), perdeu para alguns destes municípios nos aspectos mais primários de desenvolvimento socioeconômico ao decorrer dos anos e, aos poucos, está perdendo dentro do próprio estado e da região onde se localiza (Agreste) a relevância que um dia ousou ostentar.

O ponto mais conhecido da Terra do Sal ou Ninho de Cobras (traduções atribuídas por especialistas ao nome Buíque) a nível nacional é o Parque Nacional do Vale do Catimbau, que é dividido com os territórios de Tupanatinga e Ibimirim, e só. A personalidade mais conhecida "daqui" é o escritor Graciliano Ramos (1892-1953), que passou somente três anos de sua infância numa fazenda chamada Pintadinho e era nascido no estado de Alagoas. Ah, e ele também é nome de Biblioteca. Em seu livro Infância (1945), o escritor descreveu assim o município:

"Buíque tinha a aparência de um tronco aleijado: o Largo da Feira formava o tronco; a Rua da Pedra e a Rua da Palha serviam de pernas, uma quase B estirada, a outra curva, dando um passo, galgando um monte; a Rua da Cruz, onde ficava o cemitério velho, constituía o braço único, levantado; e a cabeça era a igreja, de torre fina, povoada de corujas".

No livro que, graças à Lei de Direito Autoral, está em domínio público desde primeiro de janeiro deste ano, Graciliano Ramos também falou dos meninos esquivos de um tal José Galvão (como o Osório que, hoje, virou nome de rua), do desocupado seu Antônio Justino, e até do Padre João Inácio, que virou depois vigário e primeiro prefeito, a quem o autor de Vidas Secas se referiu como alguém que era raça de cachorro com porco e que distribuía insultos aos pequenos. Quanto aos metidos a políticos de Buíque (sim, essa raça sempre existiu), destaco esse trecho aqui:

"Os maiorais do município, governo e oposição, vinham de um grupo de famílias mais ou menos entrelaçadas, poderosas no Nordeste: Cavalcantis, Albuquerques, Siqueiras, Tenórios, Aquinos. Padre João Inácio era Albuquerque. O Comendador Badega, parente de todos os graúdos, autor de vários filhos naturais, esfarinhado em César Cantu, vestia cassineta esfiapada e ruça, usava chapéu de abas roídas e botas pretas com remendos amarelos".

Esse entrelaçamento de famílias continuou vivo com o passar das décadas, agregando somente mais sobrenomes. Por exemplo: uma senhora chamada Carolina, de sobrenome Guedes de Almeida, se casou com um rapaz chamado Odená, de sobrenome Tenório de Almeida, e dentre seus muitos filhos, um ainda está vivo e virou até prefeito: o Arquimedes... Guedes Valença. Ué! Valença? Sim, mas de seu avô materno: Odilon Claudino de Almeida Valença, que tinha como esposa uma senhora chamada Maria de Almeida Cavalcanti.

Já outra senhora, de nome Ana Rosa de Almeida, se casou com rapaz chamado José Camelo de Siqueira (1894-1975, que muitos hoje devem conhecer como Nanô, pelo seu busto na Praça da Rodoviária), que por sua vez, era filho dos distintos Severiano Camelo Pessoa Cavalcanti e Clara Pessoa Siqueira Cavalcanti. O casal teve três filhos: dentre eles, vejam só, um prefeito. Jonas Camelo de Almeida (1927-1972), que também teve um filho que virou prefeito. José Camelo Neto (1951-2006), que também teve um filho que virou prefeito: Jonas Camelo de Almeida Neto. Que, pode ser que lá no futuro, tenha um filho que vire prefeito também...

Pra obter essas informações, eu fiz uma pesquisa num site chamado FamilySearch durante cinco meses, mais ou menos: esse site é mantido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e busca preservar importantes registros familiares e torná-los acessíveis online gratuitamente, com a colaboração de mais de 10 mil arquivos e organizações em mais de 100 países. É tão incrível e tão rico seu banco de dados que até informações da minha família, como um atestado de óbito da minha avó materna que morou a vida toda em Campina Grande, eu achei nesse site.

Não seria exagero nenhum dizer que a maior parte dos integrantes da classe política buiquense também faz parte de uma só família, dados os registros históricos disponíveis para consulta e até o próprio trecho do texto do Graciliano Ramos que destaquei para esta Coluna de Opinião. E basta ver como muitos cidadãos daqui hoje carregam, no mínimo, dois destes sobrenomes: Camelo Valença ou Valença Camelo, Siqueira de Almeida ou Almeida de Siqueira, Albuquerque Cavalcanti ou Cavalcanti Albuquerque, dentre outras tantas possíveis combinações. Ah, e lembram das duas senhoras que citei? Hoje são nomes de escolas municipais: a Carolina Guedes de Almeida recebeu este nome em um dos cinco mandatos de seu filho; e a Ana Rosa de Almeida, em um dos mandatos da família Camelo (que teve, ao menos, um integrante como prefeito de Buíque desde 1959).

Assim como o Graciliano escreveu há quase 80 anos no livro que contou um pouco de sua passagem por aqui, que foi há mais de 125 anos, os maiorais de Buíque continuam sendo, governo e oposição, de um grupo de famílias mais ou menos entrelaçadas: sejam os prefeitos, vereadores, secretários municipais e afins, eles têm entre si algum parentesco. E não querem largar esse osso tão cedo, alternando somente entre si o poder, mantendo o município na mesma pobreza e com os mesmos índices de desigualdade socioeconômica dignos de uma vila em 1854. A eleição municipal deste ano, infelizmente, não fugirá muito desta regra. E, pateticamente, o lema de se votar em alguém da terra e não em forasteiro (que também tem parentes nas mais diferentes camadas do poder municipal), mais uma vez, remete ao século XIX. Já sabendo do que foi aqui trazido, conclui-se que tal preocupação com quem estará na cadeira de Prefeito em janeiro nunca foi pelos moradores ou pela defesa dos interesses do município, mas sim pelos interesses pessoais da sua própria (e grande) família. E isto se repete do outro lado, que é da mesma moeda.

O filho da Carolina e o neto da Ana Rosa já estiveram, literalmente, juntos no comando de Buíque nos anos 80, mas se distanciaram e formaram seus próprios grandes grupos políticos, dando a entender para os mais distraídos que eram até inimigos, o que nunca aconteceu. Sobre o primeiro, ele ainda conseguiu ficar 20 anos sentado na cadeira mais importante da cidade, sendo responsável direto por grande parte do pouco de desenvolvimento que veio e por muito do que Buíque deixou de obter, em relação aos seus vizinhos. E as tais festas pomposas são somente um detalhe perto do que este território deixou de ter. Muito culpa também do próprio povo? Sim, também...

Quando sua curiosidade atiça e você vai dar uma olhada na lista de todos os prefeitos que Buíque já teve de 1892 pra cá, já tendo lido antes o livro do Graciliano Ramos, fica tudo ainda mais escancarado quanto à grande família. O Comendador Badega, "parente de todos os graúdos" do município, se chamava na verdade Antonio Ferreira Cavalcanti Badega e foi prefeito entre 1901 e 1904. E aqueles sobrenomes se repetem com o passar do tempo: Albuquerque, Cavalcanti, Aquino, Siqueira, Almeida...

Até as reclamações quanto à mentalidade política da população, as posturas inadequadas dos representantes do povo e o comodismo aos problemas que Buíque tem pra resolver não são de agora. O livro Modesto à Parte, escrito por Manoel Modesto em 1988, já fazia estes e outros apontamentos que, desde 2020, coube ao Podcast Cafezinho fazer com maior frequência.

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Falando agora sobre a minha família, os meus avós paternos (Miguel Soares da Silva e Sinésia Pereira da Silva) se mudaram pra Buíque em 1983 e moraram por mais de 20 anos numa casa na Travessa Odilon Nopa de Azevedo. A irmã da minha avó, conhecida como Donzinha, morava na casa ao lado. Quando eu era mais novo e vim com meus pais de São Paulo pra cá, ficamos um ano nessa casa e até estudei lá na Escola Nossa Senhora das Graças.

Já quando morava em Itaíba, eu vinha com minha mãe pra Buíque, quando ela vinha fazer as compras. A gente aproveitava a viagem e passava na casa dos meus avós. Descia da lotação, caminhava pela rodovia e descia por uma ladeira que dava direto na rua onde ficava a casa deles. Dava um pouco de medo, pois achava aquela ladeira muito grande.

Minha avó morreu em 2005 e foi velada nessa mesma casa. Meu avô vendeu a casa após a morte da minha vó e foi morar com uma tia minha em Itaíba, onde ficou até falecer em 2017. Um mês depois dele, foi a vez da minha tia-avó. Hoje, quando passo por aquela ladeira, percebo que ela não era tão grande quanto eu pensava. E que pouquíssima coisa mudou, tanto naquela travessa quanto nesse município, da época dos meus avós pra cá.

Os meus pais estão situados em Buíque há quase duas décadas. Alguns dos meus irmãos já têm seus próprios filhos, bem como meus primos. Eu vou caminhando, sabe lá como, para os meus quase 30 anos de vida. Só que todos nós estamos muito longe de sermos os "maiorais" que o Graciliano Ramos apontou em seu livro.

O que posso dizer sobre esse município, pelo tempo que tenho de vivência e mesmo sendo considerado um "forasteiro" para alguns burros, é que ele foi acolhedor quando minha família buscou um pedaço de terra para se firmar. Que ele é gigantesco em território e tem um potencial de igual tamanho para proporcionar a todos que aqui vivem conforto e prosperidade, sem precisar tomar nada de ninguém. Que, infelizmente, a tal grande família citada na Infância do Graciliano toma para si até hoje tudo aquilo que, por direito, é de todo o povo buiquense e que, para primeiro termos uma perspectiva positiva sobre os próximos 170 anos dessa terra, é necessário redeclarar a emancipação desta gente de hoje em diante: se livrando de todos aqueles que insistem em tentar nos prender na mesquinharia de pensamento que já era atrasado lá em 1854; que com suas rédeas invisíveis, tentam controlar o povo como se fosse um cavalo e que, de maiorais, só são em suas próprias cabeças.

Parabéns mesmo assim, Buíque. Que em seus próximos aniversários, eu possa vir aqui com algum motivo sincero para comemorar.

William Lourenço

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