Segundo a Organização Mundial da Saúde, pelo menos 150 mil pessoas morrem anualmente em decorrência das alterações climáticas; número deve dobrar até 2030
AVISO: o conteúdo a seguir foi produzido pela Agência Einstein, ligada ao Hospital Israelita Albert Einstein, e publicado pelo site do Podcast Cafezinho com autorização |
Por Thais Szegö, Agência Einstein
Calor e frio extremos, aumento da poluição atmosférica, elevação das chuvas, derretimento de geleiras, inundações, queimadas... Basta uma rápida olhada nos noticiários para ter a certeza de que o clima está sofrendo alterações consideráveis. O resultado da intervenção humana na natureza traz prejuízos ao meio ambiente e, consequentemente, sérios impactos à saúde de todos.
“Hoje temos muitos estudos mostrando que esses fatores estão associados ao aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares, respiratórias, renais e obstétricas”, afirma Paulo Saldiva, médico patologista e professor de medicina da Universidade de São Paulo (USP), que estuda o assunto.
Quando as temperaturas caem, por exemplo, o organismo desencadeia uma vasoconstrição (o estreitamento dos vasos sanguíneos) para manter a temperatura corporal, além de aumentar a secreção de adrenalina e cortisol, o que faz com que o coração tenha que trabalhar mais para manter o sangue circulando. Além do risco de acarretar disfunções, como arritmias cardíacas, esse cenário pode levar ao deslocamento de trombos que estavam localizados nos vasos, provocando problemas como infartos e Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs).
Especialistas ouvidos pela Agência Einstein explicam que, nos dias com temperaturas mais altas, os vasos sanguíneos superficiais se dilatam para liberar o excesso de calor para o meio externo, o que pode provocar a queda na pressão arterial, levando a mal-estar e até mesmo a desmaios. Além disso, nessa situação o coração tem que bater com mais frequência para manter a pressão arterial, o que pode ocasionar a arritmia e a insuficiência cardíaca em quem já tem predisposição. O aumento da transpiração nos dias mais quentes também deixa o sangue mais espesso, elevando o risco de trombos, que podem acabar bloqueando os vasos.
“Os rins também têm que trabalhar mais no calor para impedir que a pessoa perca uma quantidade muito grande de fluidos pela transpiração, e isso pode aumentar a concentração do sangue e diminuir o fluxo urinário, levando ao risco de infecções urinárias frequentes”, explica Saldiva.
Saldiva ressalta ainda que o aumento das temperaturas e das chuvas tem influência sobre as doenças infecciosas, principalmente as causadas por mosquitos. “No caso da dengue, esses fatores elevam o risco de eclosão das larvas, ampliando as fronteiras geográficas da enfermidade, que era uma doença litorânea e está chegando até o Centro-Oeste”, explica. O médico chama a atenção ainda para as doenças com transmissão aquática, como a leptospirose e a enterovirose, que contaminam muito mais gente por causa das enchentes.
Por todas essas razões, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), ao menos 150 mil pessoas morrem anualmente em decorrência das alterações climáticas e esse número deve dobrar até 2030. “Acredito que essa estimativa esteja subestimada”, avalia o médico da USP.
A saúde mental também é afetada
Os eventos provocados pela crise climática aumentam muito a carga de estresse do dia a dia, o que pode descompensar transtornos psiquiátricos já existentes ou desencadeá-los em pessoas mais vulneráveis.
Um estudo realizado por pesquisadores italianos publicado no periódico Frontiers in Psychiatry revelou que a exposição a eventos extremos relacionados às mudanças climáticas ou de forma prolongada tem um efeito direto e indireto em curto, médio e longo prazo. A pesquisa mostra que isso pode resultar em doenças psiquiátricas sérias, como estresse pós-traumático, que podem também atingir as novas gerações.
“Todo o tensionamento causado pelas alterações do clima traz emoções negativas, que podem contribuir para desencadear problemas graves, como o comportamento agressivo, a violência doméstica e o uso de substâncias psicoativas, como álcool, drogas e tabaco”, diz o psiquiatra Daniel Oliva, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Isso sem falar no aumento das taxas de transtornos psiquiátricos, como transtorno de ansiedade, transtorno psicótico e depressão, entre outros, que podem ser relacionados até mesmo a casos de suicídio. E há ainda, segundo o psiquiatra, o risco aumentado da perda de pessoas próximas provocadas por esses fatores, problema que atinge em especial os mais vulneráveis, como idosos e recém-nascidos.
Como infelizmente a crise climática é uma realidade que não pode ser mudada prontamente, para mitigar esses riscos é importante investir em atitudes coletivas e individuais. “No âmbito individual, é importante que sejam promovidas terapias baseadas na resiliência, dando instrumentos para que as pessoas trabalhem a sua capacidade de lidar com situações extremas, além de práticas focadas no presente que combatam a ansiedade, como a mindfulness (atenção plena)”, sugere Oliva.
De acordo com o especialista, em nível coletivo é importante mapear as áreas de risco, formar agências de cuidados e ajuda às vítimas de desastres naturais e conscientizar as pessoas sobre a importância das ações que possam combater as alterações climáticas.
“Também é essencial localizar os indivíduos com mais risco, os que já têm transtornos psiquiátricos ou sofrimento mais intenso, por exemplo, e oferecer recursos terapêuticos, como a escuta ativa, além de levar informações claras a todos, promover a reconexão entre entes queridos e oferecer proteção e conforto mínimos para a sobrevivência”, diz o médico.
O problema é tão sério que já existem organizações internacionais focadas em difundir o tema e assegurar a boa saúde mental a todos, prevenindo e diminuindo os impactos das mudanças climáticas sobre a população mundial. A Climate Psychiatry Alliance, formada por médicos dos Estados Unidos, é um exemplo.
“Além disso, é necessário que todos entendam que estamos diante de um desafio coletivo e que, enquanto imperar a lógica individualista e não olharmos para o lado, seja para outras pessoas, seja para outras nações, e assumindo nossa responsabilidade, o quadro não terá melhoras, e pode até piorar”, opina Oliva.
“O ideal seria que os setores de saúde dialogassem com os ligados à previsão do tempo e houvesse o aumento na discussão em torno do tema, como aconteceu em relação ao cigarro, percebendo que muitas vezes os pontos de atenção podem estar fora da saúde, mas é ela que paga a conta”, complementa o médico da USP.
Fonte: Agência Einstein