NOTA AOS LEITORES: ao contrário das nossas reportagens, a Coluna de Opinião traz (como diz o próprio título) uma opinião de quem a escreve, baseado em informações apuradas e oficiais.
Por William Lourenço
Quando dizem que ter conhecimento é importantíssimo para o desenvolvimento de um ser humano, de fato, essa frase não é brincadeira. O desenvolvimento de uma comunidade, de um município, estado ou país passa justamente pelas ações de seres humanos que conhecem os problemas, propõem soluções e sabem como aplicá-las. Não à toa, pessoas que nasceram economicamente pobres, mas que obtiveram conhecimento e o aplicaram ao decorrer da vida, puderam se desenvolver e enriquecer. Você tendo isso, ninguém lhe toma, ninguém lhe engana e ninguém lhe passa a perna.
Uma coisa que parece simples a você que está vendo estas palavras, mas que a maioria ainda não tem é a capacidade de ler um texto, conseguir fazer a interpretação adequada dele e entender a mensagem que foi passada. Quem não consegue fazer isso, é considerado um analfabeto funcional.
Segundo dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), 8% da população brasileira não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de frases e palavras. 3 em cada 10 pessoas que têm entre 15 e 64 anos são considerados analfabetos funcionais no Brasil. A maioria deles vive justamente em cidades do interior do país, com uma renda média familiar de até um salário mínimo. O Nordeste, infelizmente, é a região com o maior percentual de analfabetos funcionais: 13%. Nos municípios que têm entre 20 mil e 100 mil habitantes, esse índice chega a 12%.
E o que é que todos estes números aleatórios têm a ver com Buíque? O município tem 58 mil habitantes, fica no Agreste (interior) de Pernambuco, que é um estado da região Nordeste. O Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco aponta que, em 2019, 57,2% das crianças que concluíram o 2º ano do fundamental I em escola pública apresentaram dificuldades para ler textos simples. Em 2022, em um cenário pós-pandemia, esse percentual atingiu a marca de 82,6%. Um Índice relacionado à primeira infância será divulgado pelo TCE em novembro. Agora imagina entre os jovens, adultos e idosos...
Pois bem: texto parcialmente explicado, vamos ao contexto prático de como o analfabetismo funcional é um problema sério.
Na manhã desta segunda-feira, ocorreu mais uma sessão da Câmara de Vereadores de Buíque. A Câmara faz parte do chamado Poder Legislativo, que tem como obrigações: fazer requerimentos ao prefeito para que ações sejam feitas em benefício da população, fiscalizar todas as suas ações, votar prestações de contas após avaliação do TCE e aprovar ou rejeitar projetos de lei dentro dos limites do município.
O prefeito é o chefe do Poder Executivo: o que executa ações, como obras de infraestrutura. É o que tem a caneta mais visada do município, pois sua assinatura autoriza diversas ações na Administração Pública. Em alguns casos, essas autorizações precisam do aval dos vereadores, como em projetos de lei.
Já o último é o Poder Judiciário, responsável pela tal segurança jurídica. Nos municípios, é representado pelo juiz da respectiva Comarca ou Fórum, que avalia, quando solicitado, se o artigo de uma lei municipal não conflita com uma lei federal específica ou com a Constituição Federal (lei máxima de um país); ou se o prefeito infringiu em suas ações executivas alguma lei vigente. Aqui, é o Ministério Público quem solicita por meio de denúncia.
Voltando à sessão, antes da votação do repasse de verbas federais aos profissionais de saúde, ocorreu a avaliação de um projeto de lei enviado pela Prefeitura que retirava o artigo de uma lei municipal, referente à obrigação da publicidade em licitações e contratos firmados pela Administração Pública.
Quando um projeto de lei é enviado pela Prefeitura à Câmara de Vereadores, ela é primeiro enviada a uma Comissão Especial para que seja avaliada sua conformidade com as leis vigentes. A Assessoria Jurídica da casa, que é composta por advogados, auxilia os vereadores nessa avaliação. A depender dessa avaliação, a comissão pode emitir um parecer aprovando ou rejeitando o projeto de lei. O parecer é submetido à votação do Plenário (com todos os vereadores) e pode ser aprovado ou rejeitado. Tudo isso deve ocorrer de acordo com o Regimento Interno: conjunto de normas, prazos e procedimentos que todos os membros daquela casa devem seguir rigorosamente.
Se um parecer pedir a rejeição do projeto, mas a maioria do Plenário votar contra o parecer, então o texto original enviado pelo Poder Executivo vira lei. Foi o que ocorreu nesse caso: a maioria dos vereadores foi contra o parecer, que avaliou como inconstitucional o texto enviado pelo prefeito, e aprovou a revogação deste artigo da lei municipal. Porém, se o Poder Judiciário for solicitado e entender que tal ato foi ilegal, então a obrigação da publicidade suprimida nesta votação voltará a valer conforme estava escrito anteriormente.
E onde que entra o assunto do analfabetismo funcional aqui?
Nos vereadores que, mesmo com um texto dizendo que aquilo batia de frente com a Constituição, defenderam a aprovação do texto. Não parece que interpretaram aquele texto, mesmo com ajuda. Ou, se interpretaram alguma coisa, não souberam explicar de forma proficiente em suas justificativas. O que é triste...
E esse texto enviado pela Prefeitura ainda foi enviado com um erro grotesco: a citação de uma lei municipal de 2027, ou seja, do futuro. Aqui, ocorreu o que chamam de erro material. Foi feita uma ratificação, corrigindo o ano para 2017 e a votação seguiu. Vindo de onde veio, e com o grau de conhecimento exigido para as pessoas que ali estão, isso jamais deveria ter acontecido.
O mínimo que se espera de quem ocupa um cargo de tamanha responsabilidade é que ele tenha o mínimo de conhecimento sobre aquilo que ele irá lidar. Neste caso, as leis. E não é só falando palavras difíceis ao microfone, como "Vossa Excelência", "Litígio" ou, sei lá, "Vilipêndio" sem nem saber o significado pra dar uma de letrado a seu eleitorado mais ignorante; mas também de ter a capacidade de simplificar e explicar de forma didática à população do porquê ele irá apoiar ou se opor a determinado projeto de lei, ajudando assim a difundir cada vez mais conhecimento sobre o funcionamento do município e fazendo com que mais pessoas possam contribuir de forma construtiva para o seu desenvolvimento. A imprensa, ou sei lá o que é que nós temos aqui em Buíque, deve ter também esse papel e não só compartilhar burrice eleitoreira, seja a favor ou contra determinado político.
Em resumo, o que a maioria dos vereadores de Buíque acabou fazendo (com exceção da outra votação, deve-se deixar claro isso) foi dar um aval à falta de transparência em determinadas informações relativas ao município. Aval este que, pelo pouco de conhecimento que adquiri ao longo de quase três décadas de vida e quase duas décadas morando somente aqui, pode acabar caso chegue aos ouvidos do Ministério Público de Pernambuco.
E para encerrar este "aulão", deixo a vocês alguns links importantíssimos para que possam buscar cada vez mais conhecimento sobre este município e como ele funciona. Fucem, leiam, assistam, peçam mais informações... Estudem bem o conteúdo, pois no ano que vem iremos fazer a prova mais importante até aqui: a Eleição Municipal. E sem sabermos esses assuntos, acabaremos escolhendo qualquer um pra ocupar estes cargos. E aí, os analfabetos funcionais seremos nós:
Site da Câmara de Vereadores de Buíque