Por William Lourenço
Antes de começar esta Coluna de Opinião, é importante salientar os seguintes conceitos a você, caro leitor, para que não se perca naquilo que será escrito aqui:
- A reforma agrária a ser citada engloba todas as medidas que visam "promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade" e, aqui no Brasil, tais políticas por parte do poder público são feitas por meio da Lei nº 4.504/64 (também conhecido como Estatuto da Terra).
- O INCRA é sigla para Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, criado graças a esta lei de 1964 como o órgão responsável pela "formulação e execução da política fundiária nacional, além da realização de projetos de colonização em áreas de conflitos e a criação de projetos de assentamentos no Brasil". Atualmente, o órgão é subordinado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
- O MST é sigla para Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, um grupo de ativismo político e social criado em 1984 e conhecido por invadir terras consideradas improdutivas para que pessoas que querem trabalhar no campo, mas não têm nenhuma propriedade em seu nome, possam ali se estabelecer.
Eu conheço muito bem estas duas siglas: em 2000, meus pais, que haviam saído de São Paulo, conseguiram entrar em um assentamento (à época acampamento) supervisionado pelo INCRA por causa do MST. Esse assentamento ficava no Sítio Capim, em Itaíba, Pernambuco.
Ficamos por lá por pouco mais de 4 anos, até que tivemos de sair e fomos transferidos para outro assentamento, também de responsabilidade do órgão federal, em Buíque: o Dois Irmãos, onde eu e minha família vivemos desde 2005. À medida em que íamos entendendo a diferença grotesca do que o MST pregava ao público para o que realmente fazia, vimos que aquela tal reforma agrária que convenceu meus pais, com a promessa de um pedaço de terra próprio no nome deles, jamais se tornaria realidade. E já adianto que sim, existem muitas pessoas decentes e humildes que são enganadas por estes indivíduos, convencidas pelo mesmo discurso, sem saber que o próprio MST é quem as impede de ter sua escritura.
Um fato recente me fez escrever esta coluna com assunto tão específico: a cobrança pública feita por um dos coordenadores nacionais do MST, João Paulo Rodrigues (imagem acima), ao governo do presidente Lula (apoiado por este movimento) por não ter escolhido ainda o nome do presidente do INCRA indicado pelas lideranças do MST. Havia a expectativa, por parte de João Paulo e dos demais, de que o nome da ex-secretária de Agricultura de Sergipe e militante Rosilene Rodrigues para o cargo já fosse um consenso, inclusive com a aprovação de Lula. No entanto, o deputado federal Airton Faleiro (PT-BA), do Núcleo Agrário do partido, negou a informação, dando a entender que os parlamentares do PT querem fazer sua própria indicação sem consultar o MST.
A desculpa para essa pressa do MST em escolher um novo presidente pro INCRA está nas 30 superintendências regionais, ainda comandadas por indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Os estados não estão conseguindo nomear superintendentes. E tem bolsonaristas ainda à frente do Incra nos estados. Fora isso, temos situações de mandados de reintegração de posse e despejos que exigem um Incra atuante. Não é só questão de o MST invadir terras, mas de frear a ofensiva da direita e não se ter uma programação para montar um plano para o presidente", disse João Paulo em entrevista ao jornalista Ricardo Noblat, no portal Metrópoles.
"Nós, dos movimentos, queremos que indique logo um nome. O importante é que nomeia alguém para que sejam indicados logo os superintendentes nos estados. Essa demora pode trazer implicações para o governo porque a reforma agrária ficará de fora do planejamento de cem dias do governo, quando serão anunciadas coisas concretas. Não estamos gostando nada disso. E tende a causar problemas", completou.
A reforma agrária nunca foi prioridade: nem do Lula, muito menos do MST. Nos dois primeiros mandatos do petista, entre 2003 e 2010, vimos muitas invasões de terra e nenhuma escritura entregue a estes trabalhadores rurais. Nesse mandato, as coisas não parecem que serão diferentes. Até porque se estes trabalhadores rurais humildes finalmente conseguirem seus terrenos de papel passado e tudo, não precisarão mais do movimento pra nada.
Estas lideranças se aproveitam da ingenuidade e do desespero destes em dar melhores condições a seus filhos por meio de seu trabalho, enganando-as descaradamente com convites que mais parecem convocações para bloqueios de rodovias, invasões a outras propriedades rurais (algumas delas ainda produtivas), congressos e encontros de militantes e servindo até de atravessadores em projetos, programas de agricultura familiar e outros benefícios concedidos a assentados por meio do INCRA nos estados. Existem militantes sem-terra que se aventuraram na política, se enfiando em Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional. Fora aqueles indicados para cargos em repartições públicas, como o próprio INCRA. Tudo para atrasar, eu garanto.
Membros deste mesmo movimento tentam convencer os assentados, inclusive, de que conquistando o Título de Domínio (nome dado à escritura definitiva da parcela de um projeto de assentamento), perderão diversos direitos. Sei disso porque um destes, por telefone, tentou coagir meus pais a desistirem de ir atrás de sua escritura, mesmo vivendo há quase 20 anos no mesmo terreno e já tendo o chamado Contrato de Concessão de Uso (CCU): último documento entregue pelo INCRA antes da escritura definitiva da terra ao assentado.
O CCU é um instrumento que transfere, em caráter provisório o imóvel rural assegurando ao beneficiário acesso à terra, créditos e a programas do Governo Federal. Ao assinar o documento, o assentado se compromete a residir no lote e explorá-lo economicamente respeitando o meio ambiente. Cumprindo com as cláusulas deste contrato e o INCRA comprovando que aquele beneficiário tem condições, junto com seu núcleo familiar, de se sustentar naquele terreno e de pagar o Imposto Territorial Rural (ITR) da área, o Título de Domínio é finalmente entregue.
E são todos estes benefícios que o MST jamais quis que o trabalhador rural alienado soubesse. Talvez o título desta coluna de opinião lhe faça mais sentido agora.