OPINIÃO: O QUE MAIS IRÃO CORTAR EM BUÍQUE?

 

Letreiro inaugurado nesta terça-feira na Praça Jonas Camelo em Buíque, município do agreste de Pernambuco. A "obra" da Prefeitura não teve o custo divulgado e foi entregue em meio ao decreto que cortou algumas despesas da Administração Pública municipal.


Por William Lourenço

O ano de 2023 em Buíque, no agreste de Pernambuco, começou de forma previsível (ao menos, a quem acompanha o Podcast Cafezinho há muito tempo). O cancelamento do Carnaval, principal festividade do município, veio junto com o decreto do prefeito Arquimedes Valença (MDB), que diz cortar despesas para manter os serviços essenciais funcionando. Agora, Arquimedes?
O desespero do mau gestor, tendo em vista a situação caótica em que as contas públicas foram deixadas, se deve à Decisão Normativa 201 do Tribunal de Contas da União, de 28 de dezembro. Essa decisão, na prática, diminuiu a fatia que Buíque e outros municípios brasileiros recebiam do Fundo de Participação dos Municípios. A diminuição do repasse, estimada pela Prefeitura em cerca de R$ 10 milhões, foi por causa de um dado repassado ao TCU pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em agosto, que informava sobre a diminuição na população buiquense (de 59 mil, segundo uma estimativa feita pelo órgão em 2018, pra pouco mais de 49 mil). Cidades mais habitadas recebem mais dinheiro deste fundo. Só que não para por aí...
A Constituição Federal determina um limite de vereadores eleitos por município, de acordo com seu total de habitantes. A redução para menos de 50 mil habitantes fará com que Buíque perca duas cadeiras da Câmara de Vereadores, já a partir da eleição municipal do ano que vem: em vez de 15, serão 13 vereadores eleitos. Só que não para por aí...
O buraco nas contas públicas de Buíque é muito, mas muito, mais embaixo. Como já foi dito reiteradas vezes em nosso site há quase um ano e meio, Buíque vem aumentando sua arrecadação desde 2017, primeiro ano do retorno de Arquimedes à Prefeitura. Desde 2019, as receitas do município passam da casa dos R$ 100 milhões anuais, segundo o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. Inclusive nos anos em que tivemos o ápice da pandemia de COVID-19, com o fechamento do comércio e outros impactos na economia em todo o mundo.
Esse fato seria elogiável, se não tivesse ocorrido, também neste mesmo período, o aumento avassalador e descontrolado das despesas do município, sobretudo as chamadas despesas de pessoal. Despesas estas sempre maiores que as receitas.
Imagine você receber um salário mínimo por mês, mas todas as suas contas dão o valor de dois salários. Ainda que você pague as contas mais urgentes, ainda vai ficar devendo um salário mínimo só de contas. É isso que acontece com Buíque há seis anos.
O famigerado decreto do dia 11 desse mês corta algumas despesas nas mais diversas áreas da Administração Pública municipal, exceto uma (e a que, justamente, mais gasta): os salários do alto escalão do Executivo.
Arquimedes Valença ganha por mês um salário de R$ 22 mil: mesmo valor aprovado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco para o salário da Governadora. Por também ser Procuradora do Estado, Raquel Lyra (PSDB) optou por receber somente o salário de Procuradora, que é maior: R$ 32 mil.
O vice-prefeito de Buíque, Túlio Monteiro, recebe mensalmente R$ 14 mil. Os treze secretários municipais de Buíque, desde julho do ano passado, têm uma remuneração mensal de R$ 7 mil.
Esse aumento, informado com exclusividade por nós em setembro, foi realizado dois meses após a aprovação de um projeto de lei que cortou gratificações dos servidores da educação. O corte foi justificado pela Prefeitura por causa da (vejam só) falta de dinheiro nos cofres pra pagar as gratificações e um reajuste de mais de 30% no Piso Nacional do Magistério sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro no ano passado. A desculpa até passaria, se o vereador Leonardo de Gilberto não tivesse aberto a boca em Plenário e soltado a estapafúrdia frase de que "o que viesse em favor dos professores, ele votaria contra", porque "professor é bicho ruim de dar voto". Quero ver como ele vai ficar quando descobrir que o atual Ministro da Educação, Camilo Santana, aprovou na noite desta segunda-feira mais um reajuste de 15% no Piso Nacional do Magistério. A Portaria autorizando esse aumento tem poder de lei, e os prefeitos precisam cumpri-la, ao contrário do que foi dito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
Por ano, o salário do prefeito tira dos cofres públicos R$ 264 mil, mais R$ 168 mil do vice-prefeito e quase R$ 1,1 milhão dos secretários municipais.
Vi nessa semana nas redes sociais diversas manifestações de moradores de Buíque, demonstrando revolta com a situação caótica em que o município chegou. Muito mais revoltados pelo cancelamento do Carnaval, claro. Se há uma coisa que os políticos sabem muito bem é que eles podem mexer em tudo no Poder Público que o povo ficará quieto, exceto em duas coisas: o pão e o circo. Arquimedes mexeu no circo e o povo, que em parte o bajulava, agora o xinga. Ao menos, até a próxima festa na Praça de Eventos.
Os vereadores já não podem dizer agora que não têm conhecimento do caso, uma vez que dois deles estão com suas cadeiras em risco. A Prefeitura até está apelando para os cidadãos, que não foram ouvidos no Censo, entrarem em contato com o IBGE. Porém só isso não resolve...
Imagem: Reprodução/ Redes Sociais da Prefeitura de Buíque-PE

O recesso do Judiciário acaba em fevereiro e, com isso, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco retoma suas atividades. Dentre elas, as análises das prestações de contas dos 184 municípios pernambucanos e o Arquipélago de Fernando de Noronha. Inclusive, o julgamento das contas de 2020 do município de Buíque. O Relatório de Auditoria do TCE-PE, que mostramos aqui no site no mês passado, apontou ao menos seis descumprimentos de limites constitucionais referentes à Previdência municipal e às despesas de pessoal, além de dezenas de irregularidades que podem incorrer em crimes, passíveis de cassação do mandato de Arquimedes Valença, além da abertura de outros processos contra ele na Justiça por improbidade administrativa.
Fora tudo isso, devido à grande repercussão da matéria que publicamos na sexta-feira sobre o Decreto do prefeito Arquimedes Valença, nossos perfis oficiais no Facebook e Instagram receberam diversas mensagens de servidores públicos (comissionados, concursados e até contratados por meio da Seleção Simplificada) com denúncias graves contra a atual gestão sobre atrasos e cortes de pagamentos. As identidades dos servidores foram preservadas. Eis algumas destas mensagens:



Talvez o corte que Buíque precisa pra ficar com as contas em dia seja o corte do chefe do Executivo. E só quem poderá fazer isso são os vereadores, eleitos por você que lê esta coluna. Comece a cobrar deles!
William Lourenço

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