A prestação de contas de 2020 do município de Buíque está finalmente sendo analisada pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. O processo, que estava parado na fase de instrução desde maio do ano passado, passou à fase final da análise no dia 11 de novembro. Vale lembrar que foi em 2020 que se iniciou a pandemia de COVID-19.
O Podcast Cafezinho teve acesso ao relatório de auditoria feito pelo TCE-PE, que está disponível no portal Tome Conta para qualquer cidadão analisar. A auditoria é um dos documentos que servem como base para os desembargadores tomarem suas decisões, seja pela aprovação integral, com ressalvas ou rejeição das contas do município. A íntegra do documento pode ser acessada aqui. Como o relatório tem 135 páginas, traremos todo o conteúdo em duas reportagens (a segunda será postada aqui no site amanhã, neste mesmo horário).
Pra começar, o relatório traz um resumo das irregularidades e deficiências encontradas pelos auditores nas contas municipais, separados por estes quatro tópicos:
ORÇAMENTO
- Baixa arrecadação de Receita de Capital;
- Não especificação das medidas relativas à quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa;
- Ausência de previsão de desdobramento das receitas previstas em metas bimestrais de arrecadação (confirmada na análise dos conselheiros, pode se tratar de uma infração político-administrativa por parte de Arquimedes Valença por praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática, punível com a cassação do mandato do prefeito por parte da Câmara de Vereadores, se eles não tivessem se aliado ao atual gestor. Previsto no Decreto-Lei 201/1967, artigo 4º, inciso VII);
- Programação financeira deficiente;
- Cronograma de execução mensal de desembolso deficiente;
- Lei Orçamentária Anual com previsão de dispositivo inapropriado para abertura de créditos adicionais, pois, na prática, é mecanismo que libera o Poder Executivo de consultar a Câmara Municipal sobre o Orçamento e descaracteriza a concepção da peça orçamentária como um instrumento de planejamento;
- Deficit de execução orçamentária no montante de R$ 7.245.626,17 (sete milhões, duzentos e quarenta e cinco mil e seiscentos e vinte e seis reais e dezessete centavos), ou seja, o município realizou despesas em volume superior à arrecadação de receitas.
FINANÇAS E PATRIMÔNIO
- Déficit financeiro de R$ 13.044.723,18 (treze milhões, quarenta e quatro mil, setecentos e vinte e três reais e dezoito centavos);
- Saldo negativo em contas do Quadro de Superávit/Deficit do Balanço Patrimonial, sem justificativa em notas explicativas, evidenciando ineficiente controle contábil por fonte/aplicação de recursos;
- Balanço Patrimonial do RPPS e do município sem notas explicativas sobre o montante das provisões matemáticas previdenciárias lançadas no Passivo;
- Balanço Patrimonial do município com registro deficiente do Passivo de longo prazo, uma vez que as provisões matemáticas previdenciárias não foram apuradas corretamente;
- Incapacidade de pagamento imediato ou no curto prazo de seus compromissos de até 12 meses.
RESPONSABILIDADE FISCAL
- Despesa total com pessoal acima do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal;
- Despesa Total com Pessoal apurada incorretamente a menor nos demonstrativos fiscais, prejudicando, ao longo do exercício, a verificação precisa da obediência aos limites legal e prudencial estabelecidos pela LRF (pode resultar em julgamento do Prefeito pelo TCE-PE, em Processo de Gestão Fiscal, por apresentar inconsistências ou incoerências nos valores e resultados dos demonstrativos do RGF e/ou RREO, com sanção de multa, segundo a Resolução TCE-PE nº 20/2015);
- Inscrição de Restos a Pagar, processados e não processados, sem que houvesse disponibilidade de recursos, vinculados ou não vinculados, para seu custeio;
- Realização de despesa nova, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato, sem contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa (pode resultar em julgamento do Prefeito pelo Poder Judiciário sobre a ocorrência de crime contra as finanças públicas, por ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa, com sanção prevista ao agente que lhe der causa de reclusão de 1 a 4 anos, segundo o Código Penal, em seu art. 359-C).
PREVIDÊNCIA PRÓPRIA
- Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) em desequilíbrio financeiro, haja vista o resultado previdenciário negativo de R$ 3.818.916,15 (três milhões, oitocentos e dezoito mil, novecentos e dezesseis reais e quinze centavos), valor que representa a necessidade de financiamento do regime para pagar os benefícios previdenciários do exercício;
- RPPS em desequilíbrio atuarial, haja vista o deficit atuarial de R$ 372.908.559,18 (trezentos e setenta e dois milhões, novecentos e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e dezoito centavos);
- Ausência de implementação em lei de plano de amortização do deficit atuarial do RPPS;
- Não adoção de alíquota sugerida na avaliação atuarial, a qual corresponde a percentual que conduziria o RPPS a uma situação de equilíbrio atuarial.
Essa irregularidade é passível de:
* Não emissão de Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), exigido para recebimento de transferência de voluntária da União e para recebimento de recursos decorrentes de compensação previdenciária (Decreto Federal nº 3.788/2001, artigo 1º).
- Recolhimento menor que o devido ao RPPS de contribuição patronal normal, descumprindo obrigação de pagar ao regime próprio R$ 246.805,23 (duzentos e quarenta e seis mil, oitocentos e cinco reais e vinte e três centavos).
Esta irregularidade é passível de:
* Julgamento do Prefeito ordenador de despesas pela Câmara de Vereadores sobre a ocorrência de infração político-administrativa, por praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática, tendo como sanção prevista a cassação do mandato (Decreto-Lei 201/1967, artigo 4º, inciso VII);
* Julgamento pelo Poder Judiciário sobre ato de improbidade administrativa, por retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, sujeitando o agente público responsável ao ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos. (Lei nº 8.429/1992, artigo 11, inciso II, c/c artigo 12, inciso III); e
* não emissão de Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), exigido para recebimento de transferência de voluntária da União e para recebimento de recursos decorrentes de compensação previdenciária (Decreto Federal nº 3.788/2001, artigo 1º);
- Adoção de alíquota de contribuição do servidor inferior ao limite legal.
De 13 limites constitucionais e legais avaliados pelo TCE-PE, a Prefeitura de Buíque, em 2020, descumpriu seis, todos referentes às despesas de pessoal e ao regime de previdência social. A auditoria ainda apontou gastos de R$ 1.529.496,78 (um milhão, quinhentos e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e seis reais e setenta e oito centavos) com eventos comemorativos, mesmo com reiteradas recomendações do próprio tribunal pra conter gastos.
O artigo 8º da LOA 2020 de Buíque previa a abertura de um crédito suplementar de até 25% da despesa fixada no orçamento, ou seja, pouco mais de R$ 30 milhões.
No entanto, o artigo 9º desta mesma lei autorizava a duplicação deste limite imposto no artigo 8º se o crédito fosse destinado ao pagamento das despesas de pessoal, o que foi considerado inapropriado pela auditoria, por criar uma concessão de créditos ilimitados ao município, indo contra a Constituição Federal. Tal manobra permitiria o prefeito aumentar esses limites de créditos em mais da metade da despesa por meio de decretos, sem a consulta do Poder Legislativo. Os investimentos (que incluem obras de infraestrutura, por exemplo) só consumiram 4% de todo o orçamento do município. Em 2019, Buíque ficou na posição 106 de um total de 184 municípios no ranking dos que mais fazem investimentos no estado de Pernambuco, segundo o SICONFI (Secretaria de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro, do Tesouro Nacional). É um dos municípios que menos investem no estado inteiro.
As contas públicas municipais, em 2020, ficaram de novo no vermelho, com déficit de R$ 7.245.626,17 (sete milhões, duzentos e quarenta e cinco mil e seiscentos e vinte e seis reais e dezessete centavos).
Além disso, consta que o município de Buíque havia feito um parcelamento com a Fazenda Nacional de seus débitos referentes ao Fundo de Previdência Social em 20 parcelas, e atrasou o pagamento de uma destas parcelas de forma proposital. Num processo movido pelo TCE, Arquimedes foi condenado a pagar uma multa de R$ 5.893,54 (cinco mil, oitocentos e noventa e três reais e cinquenta e quatro centavos). Além ele, também foram multados:
- Teófila Valença, filha de Arquimedes, ex-secretária de Assistência Social e então responsável pelo Fundo Municipal de Assistência Social. Multada em R$ 1.656,40 (mil e seiscentos e cinquenta e seis reais e quarenta centavos). Atualmente é secretária de Saúde do município;
- Janice Rodrigues, ex-secretária de Saúde e então responsável pelo Fundo Municipal de Saúde. Multada em R$ 4.710,61 (quatro mil, setecentos e dez reais e sessenta e um centavos). Exonerada em abril deste ano após o escândalo da Operação Anules, aberta pela Polícia Civil de Pernambuco.
Amanhã, neste mesmo horário, a segunda reportagem com o conteúdo do relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco sobre a prestação de contas de Buíque, referente ao ano de 2020.