EXCLUSIVO: AUDITORIA DO TCE APONTA POSSÍVEIS CRIMES EM PRESTAÇÃO DE CONTAS DE BUÍQUE

 

Município do agreste de Pernambuco havia enviado documentação referente ao ano de 2020 pro Tribunal de Contas do Estado em abril de 2021, e desde maio do mesmo ano estava sem nenhuma movimentação. Relatório de auditoria feito em março deste ano, e obtido com exclusividade pelo Podcast Cafezinho, reforça diversas irregularidades apontadas em nossas reportagens: algumas podem resultar em processos criminais, caso o teor desta auditoria seja aprovado pelos conselheiros que analisam a prestação de contas.

A prestação de contas de 2020 do município de Buíque está finalmente sendo analisada pelo Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco. O processo, que estava parado na fase de instrução desde maio do ano passado, passou à fase final da análise no dia 11 de novembro. Vale lembrar que foi em 2020 que se iniciou a pandemia de COVID-19.

O Podcast Cafezinho teve acesso ao relatório de auditoria feito pelo TCE-PE, que está disponível no portal Tome Conta para qualquer cidadão analisar. A auditoria é um dos documentos que servem como base para os desembargadores tomarem suas decisões, seja pela aprovação integral, com ressalvas ou rejeição das contas do município. A íntegra do documento pode ser acessada aqui. Como o relatório tem 135 páginas, traremos todo o conteúdo em duas reportagens (a segunda será postada aqui no site amanhã, neste mesmo horário).

Pra começar, o relatório traz um resumo das irregularidades e deficiências encontradas pelos auditores nas contas municipais, separados por estes quatro tópicos:


ORÇAMENTO

- Baixa arrecadação de Receita de Capital;

- Não especificação das medidas relativas à quantidade e valores de ações ajuizadas para cobrança da dívida ativa, bem como da evolução do montante dos créditos tributários passíveis de cobrança administrativa;

- Ausência de previsão de desdobramento das receitas previstas em metas bimestrais de arrecadação (confirmada na análise dos conselheiros, pode se tratar de uma infração político-administrativa por parte de Arquimedes Valença por praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática, punível com a cassação do mandato do prefeito por parte da Câmara de Vereadores, se eles não tivessem se aliado ao atual gestor. Previsto no Decreto-Lei 201/1967, artigo 4º, inciso VII);

- Programação financeira deficiente; 

- Cronograma de execução mensal de desembolso deficiente; 

- Lei Orçamentária Anual com previsão de dispositivo inapropriado para abertura de créditos adicionais, pois, na prática, é mecanismo que libera o Poder Executivo de consultar a Câmara Municipal sobre o Orçamento e descaracteriza a concepção da peça orçamentária como um instrumento de planejamento;

- Deficit de execução orçamentária no montante de R$ 7.245.626,17 (sete milhões, duzentos e quarenta e cinco mil e seiscentos e vinte e seis reais e dezessete centavos), ou seja, o município realizou despesas em volume superior à arrecadação de receitas.


FINANÇAS E PATRIMÔNIO

- Déficit financeiro de R$ 13.044.723,18 (treze milhões, quarenta e quatro mil, setecentos e vinte e três reais e dezoito centavos);

- Saldo negativo em contas do Quadro de Superávit/Deficit do Balanço Patrimonial, sem justificativa em notas explicativas, evidenciando ineficiente controle contábil por fonte/aplicação de recursos;

- Balanço Patrimonial do RPPS e do município sem notas explicativas sobre o montante das provisões matemáticas previdenciárias lançadas no Passivo;

- Balanço Patrimonial do município com registro deficiente do Passivo de longo prazo, uma vez que as provisões matemáticas previdenciárias não foram apuradas corretamente;

- Incapacidade de pagamento imediato ou no curto prazo de seus compromissos de até 12 meses.


RESPONSABILIDADE FISCAL

- Despesa total com pessoal acima do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal;

- Despesa Total com Pessoal apurada incorretamente a menor nos demonstrativos fiscais, prejudicando, ao longo do exercício, a verificação precisa da obediência aos limites legal e prudencial estabelecidos pela LRF  (pode resultar em julgamento do Prefeito pelo TCE-PE, em Processo de Gestão Fiscal, por apresentar inconsistências ou incoerências nos valores e resultados dos demonstrativos do RGF e/ou RREO, com sanção de multa, segundo a Resolução TCE-PE nº 20/2015); 

- Inscrição de Restos a Pagar, processados e não processados, sem que houvesse disponibilidade de recursos, vinculados ou não vinculados, para seu custeio;

- Realização de despesa nova, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato, sem contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa (pode resultar em julgamento do Prefeito pelo Poder Judiciário sobre a ocorrência de crime contra as finanças públicas, por ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa, com sanção prevista ao agente que lhe der causa de reclusão de 1 a 4 anos, segundo o Código Penal, em seu art. 359-C).


PREVIDÊNCIA PRÓPRIA

-  Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) em desequilíbrio financeiro, haja vista o resultado previdenciário negativo de R$ 3.818.916,15 (três milhões, oitocentos e dezoito mil, novecentos e dezesseis reais e quinze centavos), valor que representa a necessidade de financiamento do regime para pagar os benefícios previdenciários do exercício;

-  RPPS em desequilíbrio atuarial, haja vista o deficit atuarial de R$ 372.908.559,18 (trezentos e setenta e dois milhões, novecentos e oito mil, quinhentos e cinquenta e nove reais e dezoito centavos); 

-  Ausência de implementação em lei de plano de amortização do deficit atuarial do RPPS;

-  Não adoção de alíquota sugerida na avaliação atuarial, a qual corresponde a percentual que conduziria o RPPS a uma situação de equilíbrio atuarial.

Essa irregularidade é passível de:

* Não emissão de Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), exigido para recebimento de transferência de voluntária da União e para recebimento de recursos decorrentes de compensação previdenciária (Decreto Federal nº 3.788/2001, artigo 1º).

-  Recolhimento menor que o devido ao RPPS de contribuição patronal normal, descumprindo obrigação de pagar ao regime próprio R$ 246.805,23 (duzentos e quarenta e seis mil, oitocentos e cinco reais e vinte e três centavos). 

Esta irregularidade é passível de:

* Julgamento do Prefeito ordenador de despesas pela Câmara de Vereadores sobre a ocorrência de infração político-administrativa, por praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática, tendo como sanção prevista a cassação do mandato (Decreto-Lei 201/1967, artigo 4º, inciso VII); 

* Julgamento pelo Poder Judiciário sobre ato de improbidade administrativa, por retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, sujeitando o agente público responsável ao ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos. (Lei nº 8.429/1992, artigo 11, inciso II, c/c artigo 12, inciso III); e

* não emissão de Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP), exigido para recebimento de transferência de voluntária da União e para recebimento de recursos decorrentes de compensação previdenciária (Decreto Federal nº 3.788/2001, artigo 1º);

- Adoção de alíquota de contribuição do servidor inferior ao limite legal.


De 13 limites constitucionais e legais avaliados pelo TCE-PE, a Prefeitura de Buíque, em 2020,  descumpriu seis, todos referentes às despesas de pessoal e ao regime de previdência social. A auditoria ainda apontou gastos de R$ 1.529.496,78 (um milhão, quinhentos e vinte e nove mil, quatrocentos e noventa e seis reais e setenta e oito centavos) com eventos comemorativos, mesmo com reiteradas recomendações do próprio tribunal pra conter gastos.

O artigo 8º da LOA 2020 de Buíque previa a abertura de um crédito suplementar de até 25% da despesa fixada no orçamento, ou seja, pouco mais de R$ 30 milhões.

No entanto, o artigo 9º desta mesma lei autorizava a duplicação deste limite imposto no artigo 8º se o crédito fosse destinado ao pagamento das despesas de pessoal, o que foi considerado inapropriado pela auditoria, por criar uma concessão de créditos ilimitados ao município, indo contra a Constituição Federal. Tal manobra permitiria o prefeito aumentar esses limites de créditos em mais da metade da despesa por meio de decretos, sem a consulta do Poder Legislativo. Os investimentos (que incluem obras de infraestrutura, por exemplo) só consumiram 4% de todo o orçamento do município. Em 2019, Buíque ficou na posição 106 de um total de 184 municípios no ranking dos que mais fazem investimentos no estado de Pernambuco, segundo o SICONFI (Secretaria de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro, do Tesouro Nacional). É um dos municípios que menos investem no estado inteiro.

As contas públicas municipais, em 2020, ficaram de novo no vermelho, com déficit de R$ 7.245.626,17 (sete milhões, duzentos e quarenta e cinco mil e seiscentos e vinte e seis reais e dezessete centavos).

Além disso, consta que o município de Buíque havia feito um parcelamento com a Fazenda Nacional de seus débitos referentes ao Fundo de Previdência Social em 20 parcelas, e atrasou o pagamento de uma destas parcelas de forma proposital. Num processo movido pelo TCE, Arquimedes foi condenado a pagar uma multa de R$ 5.893,54 (cinco mil, oitocentos e noventa e três reais e cinquenta e quatro centavos). Além ele, também foram multados:

- Teófila Valença, filha de Arquimedes, ex-secretária de Assistência Social e então responsável pelo Fundo Municipal de Assistência Social. Multada em R$ 1.656,40 (mil e seiscentos e cinquenta e seis reais e quarenta centavos). Atualmente é secretária de Saúde do município;

- Janice Rodrigues, ex-secretária de Saúde e então responsável pelo Fundo Municipal de Saúde. Multada em R$ 4.710,61 (quatro mil, setecentos e dez reais e sessenta e um centavos). Exonerada em abril deste ano após o escândalo da Operação Anules, aberta pela Polícia Civil de Pernambuco.

Amanhã, neste mesmo horário, a segunda reportagem com o conteúdo do relatório de auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco sobre a prestação de contas de Buíque, referente ao ano de 2020.

William Lourenço

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