OPINIÃO: VÃO FICAR CHORANDO ATÉ QUANDO?

 

Derrota de Jair Bolsonaro para Lula no segundo turno da eleição presidencial fez com que parte de seus apoiadores se sentissem no direito de fazer arruaça e fechar diversas rodovias por todo o país desde a segunda-feira. Demora do derrotado em se manifestar sobre resultado da apuração também contribuiu para mais uma tensão desnecessária, a dois meses do fim de seu mandato (Reprodução/ BBC Brasil)

Por William Lourenço


Todo aquele que tem um pouco de cérebro e que não vê político com endeusamento já sabia, depois da definição do segundo turno da eleição presidencial, que, independente de quem ganhasse, o período entre o dia 31 de outubro até a posse (em primeiro de janeiro de 2023) seria insuportável de qualquer jeito. Porém, não há nada que o bolsonarismo, em sua forma mais acéfala e imbecil, não possa piorar.

Após saber que a disputa (uma das mais acirradas e polarizadas da história) foi vencida por Lula (PT), o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu fazer uma coisa que, nos últimos quatro anos, foi quase impossível: se calar por mais de 24 horas. De novo: todo aquele que tem um pouco de cérebro e que não vê político com endeusamento já sabia que, em caso de derrota pro petista, o representante da extrema-direita brasileira não iria telefonar pra ele, o cumprimentando pela vitória; ou mesmo fazer qualquer outro ato diplomático para aquele que o próprio declarou ser seu inimigo público número um.

Mas sua boca fechada fez com que uma parcela de idiotas que o segue (e antes que venham me encher o saco, eu sei que também existem idiotas que endeusam o Lula e aqui, eu também os critico quando dão brecha) entendesse que era hora de tentar causar a tão sonhada instabilidade institucional, para assim provocar as Forças Armadas e, num delírio bem retardado, ter uma intervenção militar com Bolsonaro no comando. É claro que tal tosquice iria falhar.

Os apoiadores (chamados por uns de gado, e por mim de idiotas mesmo), ao defenderem a tese furada de que queriam que o jogo fosse feito "dentro das quatro linhas da Constituição", não pensaram duas vezes em desenhar linhas tortas próprias (como os jovens diriam, tiradas do próprio cu) ao fechar diversas rodovias em todo o país (violando o direito constitucional da livre locomoção em território brasileiro) e pedindo até Estado de Sítio (esquecendo que, para se fazer tal pedido, é necessário primeiro uma consulta do Presidente com o chamado Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional, com o aval do Congresso Nacional). Teve até quem acreditou em áudio de Whatsapp, falando da falsa prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O artigo 137 da CF é bem claro quanto ao acionamento do Estado de Sítio no país (ao menos, para aqueles que sabem ler e interpretar um texto):

 Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta.


No Conselho da República, como prevê o Artigo 89, participam o Vice-Presidente da República, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, os líderes da maioria e da minoria das duas casas legislativas, o Ministro da Justiça e seis cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade: dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado e dois eleitos pela Câmara. Estes cidadãos têm mandatos no Conselho de 3 anos.

Já no Conselho de Defesa Nacional, participam o Vice-Presidente da República, os chefes do Poder Legislativo; os Ministros da Justiça, do Planejamento, da Defesa e de Relações Exteriores; além dos comandantes da Marinha, Força Aérea e Exército.

A tal intervenção militar, tão sonhada por estes amantes do autoritarismo, é vedada pela mesma Constituição em seu Artigo 5º, inciso XLIV, que diz que "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático". E, caso ocorresse, a última pessoa que estaria no comando era Bolsonaro: com certeza, seria qualquer militar com patente superior à dele. Até o Artigo 142, que fala sobre as Forças Armadas, teve seu sentido totalmente deturpado por estes retardados: embora estejam sob a autoridade do Presidente da República, eles servem para a defesa da Pátria (em caso de guerra com outro país, por exemplo), para a manutenção dos poderes constitucionais e a garantia da lei e da ordem (se qualquer um destes três poderes pedir). Tem nada de atender pedido de golpe por causa de eleição.

Ataques armados cometidos por Roberto Jefferson no dia 23 de outubro e por Carla Zambelli no último sábado foram verdadeiros "tiros no pé" para campanha de Bolsonaro à reeleição.

Na tarde desta terça-feira, em um pronunciamento muito rápido e bem tímido, Bolsonaro agradeceu aos mais de 58 milhões de pessoas que votaram nele, destacou a maioria feita no Congresso de adeptos do bolsonarismo e fez uma crítica aos que resolveram fechar as rodovias. Segundo o próprio, isso era coisa da esquerda e que o direito de ir e vir não poderia ser impedido. Em seguida, seu ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, sinalizou que a transição de governo já pode começar nesta quinta, com a devida formalização por parte de Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito na chapa de Lula e que cuidará em arrumar a casa para o petista assumir em janeiro. A tensão, me parece, começou a diminuir. Isso porque, em alguns estados, a Polícia foi autorizada a usar toda sua força para desbloquear as rodovias, e a usar toda sua força para reprimir os vagabundos travestidos de verde e amarelo que insistirem em causar tumulto.

Uma reunião de Bolsonaro com integrantes do Supremo Tribunal Federal, também na terça-feira, serviu para sinalizar novamente que o resultado do domingo foi aceito, ainda que a seu contragosto. Que, querendo ou não, ele ainda tem dois meses de mandato para, de uma forma ordeira e mais decente, arrumar suas malas, deixar o Planalto e tirar um ano sabático. Até para que, numa outra eleição, possa voltar menos desgastado (a depender de como o Lula vai tocar o país até 2026, o Jair pode acabar sendo visto com menos ódio) ou para, enfim, deixar de vez a vida política depois de 34 anos de poucas contribuições positivas. 
E caso tenha algum apoiador bolsonarista em uma rodovia lendo este texto, te deixo a seguinte pergunta: vai ficar aí até quando? Sai daí! Vai pra casa, volte ao trabalho. Acabou! Não espere tomar porrada e levar tiro da Polícia. Faça como seu mito: aceite a derrota, pegue suas coisas e procure deixar seu posto de forma ordeira, e com o mínimo de dignidade possível.
William Lourenço

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