OPINIÃO: O "TIRO AO ÁLVARO" DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

 

Roberto Jefferson, ex-deputado federal que ganhou notoriedade ao denunciar o escândalo do Mensalão, resistiu a uma ordem de prisão emitida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Uma equipe da Polícia Federal, que cumpria o mandado, foi atingida por estilhaços de uma granada e tiros. Dois policiais se feriram sem gravidade. Situação permanece tensa no entorno da residência do político, no interior do estado do Rio de Janeiro.

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Por William Lourenço


Na tarde deste domingo, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, de 69 anos, resistiu a uma ordem de prisão emitida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e recebeu a tiros uma equipe da Polícia Federal que havia se dirigido à sua casa em Levy Gasparian, interior do Rio de Janeiro. Jefferson já cumpria um mandado de prisão domiciliar, referente a um inquérito que apura atos contra a democracia. Moraes o revogou e resolveu emitir um novo mandado ontem, desta vez para levá-lo a uma penitenciária, por conta do descumprimento de uma das regras da prisão domiciliar: na sexta, ele gravou e compartilhou um vídeo em que se referia, com diversas palavras de baixo calão, à ministra do STF, Cármen Lúcia. Além disso, uma acusação de que ele teria um grande arsenal de armas, que poderiam ser usadas após a divulgação do resultado das eleições, já no próximo domingo, também serviu como base para a emissão deste mandado.

Uma granada também foi lançada em direção ao carro, que continha quatro policiais. Dois deles ficaram feridos, mas sem gravidade. Roberto Jefferson avisou que não iria se entregar, pois, segundo ele, a decisão de Alexandre de Moraes (a quem, carinhosamente, apelidou de Xandão) é tirana. A filha de Roberto, a ex-deputada federal Cristiane Brasil, chegou a postar em uma rede social que a resistência do pai à prisão era somente o estopim do que poderia acontecer ao ministro da Suprema Corte caso algo acontecesse a ele. O Twitter precisou suspender a conta dela após estas publicações. As negociações contaram, inclusive, com o Ministro da Justiça, Anderson Torres, e até com o Padre Kelmon, que foi candidato à Presidência no primeiro turno pelo PTB porque ele, que já cumpria prisão domiciliar, teve a candidatura impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Roberto Jefferson se entregou aos policiais na noite deste domingo.

Os presidenciáveis Jair Bolsonaro e Lula imediatamente se manifestaram contra o ato. Até porque Roberto Jefferson é um velho conhecido de ambos: por mais que tenha ficado mais próximo do atual presidente nos últimos tempos, foi no primeiro mandato do ex-presidente que ele ganhou maior notoriedade, ao denunciar aquele que seria conhecido como o escândalo do Mensalão: "fantasma" da corrupção que persegue o PT e o Lula desde 2005. E, acreditem, Jefferson era aliado do petista nessa época.

Não existe outra palavra para definir o que ocorreu hoje como preocupante. Preocupante pelo fato de faltar uma semana para os brasileiros voltarem às urnas, pra decidirem quem será o próximo Presidente da República e os governadores de 12 estados. A tensão está criada por todos os lados, ainda que artificialmente. Não importa quem dos dois vai ganhar, todo mundo vai perder. A insubordinação de Roberto Jefferson a uma determinação judicial (e os critérios sobre sua legalidade ou não, eu prefiro deixar pra quem tem algum conhecimento em Direito discutir) pode ter sido mesmo o estopim para que uma pequena fração de malucos existente em nosso país, que estava somente esperando um momento como esse para se rebelar, vá com toda a agressividade possível pra cima daqueles que considerem seus opositores. Os ministros do STF estão nessa lista negra, e eles sabem disso. Até por este motivo que surgiram as diversas medidas para prender e coibir ações destes indivíduos. Parece que ainda não adiantou...

As medidas do TSE relacionadas ao chamado combate à desordem informacional nas eleições, confundidas por alguns com censura (o que não deixa de ser), também vieram a ajudar no desenvolvimento deste clima nebuloso e tenso que culminou com o ocorrido na tarde deste domingo. Palavras do próprio Alexandre de Moraes passaram a ser usadas contra ele, especificamente as palavras de uma decisão do STF antes das eleições de 2018. À época, havia uma pressão política imensa para que comediantes fossem proibidos de satirizar os candidatos em programas de humor na TV. A desculpa foi que havia infração da Lei das Eleições. Obviamente que a maioria da corte votou contra essa proibição, alegando a liberdade de expressão como um princípio constitucional a ser respeitado. O Xandão, nas palavras do Roberto Jefferson, virou inimigo público número um daqueles que alegam defender a liberdade. E razões pra ser xingado, o cara vem dando até demais... Inclusive pelo New York Times.

Por mais que tais medidas restritivas para alguns durem somente até o próximo domingo, não existem mais garantias de que qualquer coisa pior que a de hoje não venha a ocorrer. Apenas para usar como exemplo: em janeiro de 2021, nos Estados Unidos, dois meses após a divulgação do resultado das eleições que deu a presidência a Joe Biden, o derrotado Donald Trump incitou uma invasão ao Capitólio, o Congresso Nacional de lá, numa demonstração de não reconhecimento ao sistema eleitoral americano, que tem mais de 2 séculos de funcionamento. Entre apoiadores de Trump e policiais que tentaram impedir a invasão, cinco pessoas morreram. Um processo está correndo até hoje na Suprema Corte Americana para responsabilizar o ex-presidente pelo inédito atentado à democracia do país. Como o Brasil tem uma mania horrível de copiar tudo que não presta de lá de fora, algo parecido assim que for anunciado o vencedor da eleição pode, e deve, ocorrer em Brasília. Bem como o caos propriamente dito, com atos violentos espalhados por todo o país.

E sabe o que é que o Mensalão e uma futura CPI da "Lava Toga" (que investigaria irregularidades cometidas pelos membros do Judiciário, resultando, inclusive, nos inéditos processos de impeachment de ministros do STF) poderão ter em comum? Ambos poderão ter começado, ainda que indiretamente, por causa da mesma pessoa. E não ache difícil após esta semana de turbulências, quando o novo Congresso Nacional majoritariamente bolsonarista começar a trabalhar lá em 2023, essa ideia surgir e passar pedindo licença pra todo mundo.

William Lourenço

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