OPINIÃO: UMA SEMANA DE DURAS DERROTAS PARA AS MULHERES NO MUNDO

Foto de RODNAE Productions para Pexels


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Por João Gabriel Silva

Nessa semana que se passou, voltou à tona um assunto espinhoso e de longa duração: o aborto. Vez ou outra, esse debata circula a mídia. Bem, no Brasil, pela sua legislação, o aborto é permitido em dois casos, segundo o Código Penal Brasileiro:

"Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
 
Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; 

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro 

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".

Contudo, isso voltou a ser discutido por conta que uma garota de 11 anos de idade teve esse direito negado pela justiça de Santa Catarina. Inicialmente, divulgou-se que a garota em questão havia sido vítima de estupro pelo padrasto. Isso estaria de acordo com o que é previsto na legislação, porém, não foi acatado pela juíza, além do que, pela idade dela, a gestação também representava risco à sua vida. Temos que levar em conta que, nessa fase, o corpo ainda está em formação, não tendo as condições necessárias para uma gestação segura. Junte-se a isso o fato da mãe concordar com o procedimento... Pois bem, isso gerou uma comoção nacional, mobilizando diversos grupos a favor e contra o aborto. A internet, em peso, começou a falar do assunto, a mídia em geral deu ampla cobertura, artistas se posicionaram sobre o caso, e aí foi possível ver ainda mais a divisão em que nosso país se encontra.
Vale dizer que a menina conseguiu fazer o aborto depois de toda a visibilidade e de toda a pressão em cima da magistrada, no mínimo, irresponsável.
Há outra coisa que vale ressaltar: a história ainda continua mais problemática, uma vez que suspeita que não teria havido o estupro, pois o suposto pai do bebê seria um garoto de 13 anos que mantinha relações sexuais frequentes e consentidas com a garota. O mesmo Código Penal diz que uma relação sexual só pode ser considerada consentida, sem ser criminosa, se a pessoa tiver mais de 14 anos.
Isso foi suficiente, mais uma vez, para encher a internet de comentários acusando quem defendeu o aborto de assassinos e outras coisas, esquecendo-se que, mesmo não havendo o estupro, a gravidez ainda representava risco à mãe.
É preciso dizer que casos assim acorrem diariamente no Brasil. O público em geral não tem conhecimento, pois não se divulgam todos eles, não a um controle desses acontecimentos visto que vivemos em um país profundamente desigual e em que a mulher ainda sofre com violências constantes e têm os direitos aos seus corpos cooptados por outrem. E quando divulgam, é sempre antecendendo uma eleição: a guerra esquerda-direita resumida no "vamos todos dar a bunda contra o vamos todos ter uma arma" que o meu amigo William fala por aqui ganha uma camada ainda mais rasa e superficial: a esquerda defende a liberação geral do aborto, e a direita é totalmente contra (até mesmo do que está previsto em lei).
Continuando, outro acontecimento movimentou a mídia mundial: a revogação, pela Suprema Corte dos Estados Unidos, da decisão Roe vs Wade. E o que isso tem a ver? Explico com um pouco de história.
O caso em questão ocorreu na década de 70 e virou um marco para que as mulheres tivessem o direito legal ao aborto em um dos países mais conservadores do mundo. Ela foi fruto de uma batalha judicial de longos anos, pois em 22 de janeiro de 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu que o direito ao respeito à vida privada garantido pela Constituição se aplicava ao aborto. 
Três anos antes, em um tribunal do Texas, Jane Roe, pseudônimo de Norma McCorvey, uma mãe solteira grávida pela terceira vez, moveu uma ação que atacou a constitucionalidade da lei do Texas que tornava o aborto um crime. A Suprema Corte entendeu que essa lei iria contra "o direito ao respeito da vida privada, presente na 14ª Emenda da Constituição (...), e nesse caso ela seria suficientemente ampla para ser aplicado à decisão de uma mulher de interromper, ou não, sua gravidez".
Essa atual mudança representa, na opinião de muitos, um retrocesso de meio século de lutas pelo direitos reprodutivos das mulheres, principalmente a parcela mais pobre (que é a mais afetada). Diferentemente do Brasil, uma decisão como essa não afetará todos os estados, pois cada um possui suas próprias leis e constituições, devidamente subordinadas à carta maior que data de 1776 (a menor e mais antiga constituição que ainda vigora em todo mundo).
Contudo, 6 dos 9 juízes que formam a Suprema Corte (considerados mais conservadores pela própria mídia americana) decidiram por reverter a constitucionalidade da Roe vs Wade, fazendo com que estados governados por republicanos (conservadores) aprovassem leis que restringem o direito ao aborto legal, fazendo com que mulheres que optam pelo procedimento se desloquem para estados que permitem esse procedimento, porém fazendo elas pagarem mais (como Nova York e a Califórnia). Com tudo isso, vemos que aparentemente, e infelizmente, está em curso um retrocesso a alguns dos direitos conquistados a duras penas pela mulheres que sempre foram colocadas à margem da sociedade e da história predominantemente patriarcalista.

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