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Por William Lourenço
Era madrugada de quinta-feira quando, sem sono, fui dar uma olhada no que estava acontecendo no mundo. O presidente da Rússia fazia um pronunciamento oficial, anunciando que seu exército estava autorizado a invadir a Ucrânia. Não foi só eu que fiquei sem sono naquele dia. E nos demais dias.
De lá pra cá, nessa quase uma semana de conflito, o desafio foi acompanhar com atenção tudo que acontecia lá do outro lado do planeta e, por ser agora um jornalista, resumir a quem me acompanha por aqui, nas redes sociais, plataformas de streaming de áudio e YouTube: gravando locuções para o podcast, fechando parcerias de conteúdo, editando vídeos, acompanhando e publicando as atualizações aqui no site... As informações podem ser facilmente encontradas por você. Neste espaço, deixarei um pouco de lado a observação editorial e emitirei a minha opinião. Leia-a se quiser.
Que Vladimir Putin chega a ser um líder temido, isso não deixa de ser verdade. A frieza típica do povo russo, aliada aos seus dezesseis anos de serviço para a KGB (serviço secreto da antiga União Soviética), parcerias firmadas com os homens mais ricos de seu país e seu poder de persuasão (que já foi melhor antes) o fizeram ganhar destaque na política internacional: de mero vice-prefeito de São Petersburgo, tendo uma rápida passagem pela direção da FSB (Serviço Federal de Segurança da Rússia), a Primeiro-Ministro em 1999 e, somente um ano depois, ao seu primeiro mandato de Presidente. Nessa alternância de cargos (de Presidente a Primeiro-Ministro e vice-versa), lá se vão 23 anos seguidos de Putin no comando russo.
A ascensão de seu país como potência mundial no mesmo patamar dos Estados Unidos, por exemplo, foi o grande objetivo de Putin no poder, e a associação desse crescimento à sua própria imagem também. Assim como a antiga União Soviética se utilizou de Lenin e Stalin para tal meta, e vice-versa.
No começo dos anos 90, teve o desmembramento e independência dos ex-países soviéticos. A Ucrânia está nesse bolo. Depois disso, a OTAN (aliança político-militar liderada pelos americanos) começou a se expandir para dentro da Europa, chegando a países próximos do território russo. Vale lembrar que um dos objetivos da criação dessa aliança, em 1949, foi exatamente reprimir o avanço soviético para o Ocidente.
Em 2014, surgiu a possibilidade da Ucrânia entrar no grupo. Aí o Putin ficou como soa o seu sobrenome. A Ucrânia faz fronteira com a Rússia no leste da Europa, o que poderia, na cabeça dele, deixar o país mais vulnerável caso a entrada na OTAN fosse mesmo oficializada e o poderio militar, incluindo o nuclear, da aliança fosse direcionada à sua fronteira. O que o Putin faz? Conquistar a confiança e a simpatia de alguns separatistas que moravam numa região ucraniana chamada Crimeia e, usando seu exército, toma a região e a incorpora ao território da Rússia. Foi um aviso sutil, ao modo russo, de que não era pro seu vizinho nem sonhar em voltar a conversar com os americanos e seus aliados.
Os ucranianos também podem ser tão frios quanto os russos, e eles não gostaram nem um pouco da ameaça. Como protesto, nas eleições de 2019, elegeram um comediante como presidente de seu país, somente para não levar ao poder um candidato que era declaradamente apoiado por Putin. Hoje, Volodymyr Zelensky está se mostrando um líder em ascensão.
Zelensky fez tudo que a Rússia de Putin não queria que a Ucrânia fizesse, inclusive retomar as conversas com a OTAN e até a União Europeia. A aproximação com o Ocidente e o afastamento, somado ao ódio que os ucranianos vêm guardando há anos dos russos (nos tempos de União Soviética, com o pretexto do comunismo, tudo que era produzido na Ucrânia era enviado a Moscou, fazendo com que milhares de pessoas morressem de fome), deixaram Vladimir louco. É o típico cara que não se conforma com o fim de um relacionamento, mesmo que conturbado, que não aceita receber não e parte pra violência como forma de tentar manter sua parceira acuada e submissa às suas vontades. Foi o que Putin fez na quinta. O problema é que, movido pela emoção de manter sua reputação de macho durão e implacável, ele não se tocou que enfrentaria uma resistência forte aos seus caprichos, ainda que de um país tão pequeno.
O fato de citar por diversas vezes a Ucrânia como um país irmão e depois partir pra porrada pegou muito mal dentro de seu próprio país também. A perseguição feita pelo regime de Putin a seus opositores, feministas, homossexuais e outras minorias ficou ainda mais latente com essa invasão à Ucrânia. Pelo simples fato de discordar do líder russo, ele bota o exército pra invadir o país. Característico de qualquer autoritário: perseguir todo aquele que não o reverenciar e não se curvar aos seus caprichos. Jair Bolsonaro tentou fazer a mesma coisa aqui no Brasil. O que o impede de fazer algo parecido aqui é ele mesmo.
Mas voltando à Rússia, por mais que seu exército seja infinitas vezes maior que o ucraniano, a apressada e atrapalhada invasão pode colocar a reputação de Putin em xeque-mate pelos seguintes motivos:
- Quando o Putin fala que não quer que os demais países interfiram, ele ameaça indiretamente aqueles que também aguentam brigar com ele. E que podem derrotá-lo. Os Estados Unidos e os integrantes da União Europeia são esses países. O primeiro aviso de que os russos deviam parar com a briga antes deles entrarem pra dar uma surra, foi dado em forma de sanções econômicas: bloqueio de bens dos russos no exterior, banimento de sistema de pagamentos, retirada de dinheiro e até de empresas estrangeiras da Rússia... E, junto a esses ataques no bolso, a ajuda aos ucranianos com o fornecimento de armamento, dinheiro e outros suprimentos pela fronteira ucraniana com a Polônia. Além disso, o aviso aos russos também foi dado: se a Polônia, que é membro da OTAN, ou qualquer outro país que faz fronteira com eles e que também integra a aliança militar (Estônia, Lituânia, Letônia e Finlândia) for atacado, aí todos os 30 países partirão pra porrada.
- A Ucrânia, ao contrário do que a Rússia pensava, já estava atenta à movimentação do exército inimigo em sua fronteira e se preparou um pouco melhor para a invasão, mesmo com um número menor de soldados. E recebendo cada vez mais armamento, essa resistência poderá durar mais tempo. Há rumores de que tanques russos estão parando nas estradas por falta de combustível, e que até alguns soldados russos estariam começando a se render.
- As sanções econômicas deixaram o sistema financeiro russo abalado. Com cada vez menos dinheiro, Putin e sua equipe econômica está tendo que gastar suas reservas pra manter o país em pé. Entidades internacionais dos esportes (que já tinham rusgas com atletas russos por doping em Olimpíadas passadas) aproveitaram pra bani-los das competições que organizam. Os empresários russos, que apoiam Putin e que têm a maioria de seus investimentos na Europa e Estados Unidos, não podem mais tocar nesse dinheiro e já se manifestaram contra a atitude do presidente russo. A população russa, que até tinha apreço pelo regime de Putin, ao ver a morte de seus "irmãos" ucranianos e até de seus compatriotas sem qualquer justificativa plausível, e cada vez mais sem dinheiro pra gastar com o que comer, resolveu ir protestar pelas ruas do país, mesmo sendo proibido.
E, como Joe Biden anunciou em um discurso no Congresso americano, ainda há mais por vir à Rússia. Ela promete atacar a Ucrânia com cada vez mais força, e o restante do mundo promete cada vez mais colocar a Rússia na parede até fazer o Putin pedir pinico. Inclusive seu próprio povo. O que virá é uma incógnita, pois um bicho acuado como Putin pode fazer qualquer coisa: atacar com mais força, se render e deixar ser pego ou ser trucidado de forma desproporcional até que sua reputação seja morta.
Continuaremos acompanhando os desdobramentos desse fato histórico.